25 abril, 2017

CORA E O TEMPO

Por:
Jaqueline Doring Rodrigues
Regional PARANÁ
Email: jaquelinedoring@gmail.com
















Estava a caminhar nos corredores do Hospital Oncológico Erasto Gaertner em Curitiba, e entre examinar um paciente e outro, tentava escolher um poeta para o tema do próximo encontro das segundas terças do mês. Difícil não ser atingida pelos mais diversos olhares perdidos e desistidos nos corredores do hospital. Impossível não ser dominada pelo tocar profundo de quem pede para apenas não sentir dor e ter um pouco mais de tempo. A doença corrói nossas entranhas, digere nossa dignidade e afunda-nos num estado mundano precário quando estamos presos ao corpo que nos comporta. Dilacera as almas. Perdem-se as identidades.

De fato, na nossa sociedade ocidental é quase um tabu falar a respeito da morte. Como se ao tentarmos entendê-la, respeitá-la, sem temê-la, estivéssemos sendo ingratos com a vida que temos. E não. Na tentativa de compreender a morte, entramos em íntimo contato com nosso ser e as descobertas são infindas. O que fizemos na nossa vida nos faz ser quem somos quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta.

Somos facilmente vulneráveis a sentimentos como raiva, inveja, vaidade, tristeza, luxúria... e o destino são as guerras, sejam civis, sejam internas. E neste anseio de sobreviver, apostamos nosso mais precioso bem, o tempo, com planejamentos desde muito cedo e esquecimentos até muito tarde. Mas não para o poeta. Aquele que desperta e se questiona, que se engaja na busca do sentido da vida. E nessa busca encontra "o tempo". Que continua a passar, na dor, na alegria, no desespero, na calmaria. E que bom que tudo passa. À benção as rugas que mostram as curvas do tempo.

Dessa forma, neste encontro mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do Paraná, trouxemos a proposta de celebrar a vida, o tempo, a dor e a morte. Esse ciclo que nos acompanha e negligenciamos com medo do desconhecido. Quem sabe mais da dor que cala do que o
poeta? Quem sabe mais da dor de poeta do que aquele que viveu por quase um século e atravessou duas eras tão distintas? Dedicamos este dia à poetiza quase centenária da história do Brasil, Cora Coralina, que faleceu aos 95 anos ( 20/08/1889 - 10/04/1985) na sua terra natal, Goiás.

Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, adotou o pseudônimo de Cora Coralina aos 14 anos, mas não o tornou público. Ao completar 50 anos a poetisa passou por uma marcante transformação interior, a qual mais tarde chamou de "a perda do medo". Naquele momento, assumiu o pseudônimo que
escolhera para si muitos anos atrás.

A Perda do Medo. É a mensagem de Cora Coralina para nós. Ela teve a maioria de suas obras publicadas após os 70 anos, sendo a prova de que não existe idade para o sucesso. Adotemos pseudônimos e esqueçamos do tempo. Como ela mesma escreveu, de hoje em diante levaremos apenas o que couber no bolso e no coração.

CORA E O TEMPO

Cora, filha de Goiás
Quando pequena já era gigante
cansava com suas perguntas
era Cora, a menina falante
daquelas terras robustas.

De longe sabiam ser ela
o retrato feito do seu falecido pai
cabisbaixa quando os olhares nela
e se ao céu a mirar, cai.

Após 45 anos, retorna a Goiás
Resolve ser doceira e publicar
Vinham todos a velha casa dos seus pais
comprar um doce e um exemplar.

Viveu sua vida como bem queria
sem limitações após a viuvez
essa maturidade certeira
fez dela a moça nonagenária da vez.

E assim, inspira-nos, os leitores
a olhar acima mesmo que ainda a temer
com seus doces, seus escritos e seus amores
descobriu a arte de viver e escrever.



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