Jaqueline Doring Rodrigues
Estava a caminhar nos corredores do Hospital Oncológico Erasto Gaertner em Curitiba, e entre examinar um paciente e outro, tentava escolher um poeta para o tema do próximo encontro das segundas terças do mês. Difícil não ser atingida pelos mais diversos olhares perdidos e desistidos nos corredores do hospital. Impossível não ser dominada pelo tocar profundo de quem pede para apenas não sentir dor e ter um pouco mais de tempo. A doença corrói nossas entranhas, digere nossa dignidade e afunda-nos num estado mundano precário quando estamos presos ao corpo que nos comporta. Dilacera as almas. Perdem-se as identidades.
De fato, na nossa sociedade ocidental é quase
um tabu falar a respeito da morte. Como se ao tentarmos entendê-la,
respeitá-la, sem temê-la, estivéssemos sendo ingratos com a vida que temos. E não.
Na tentativa de compreender a morte, entramos em íntimo contato com nosso ser e
as descobertas são infindas. O que fizemos na nossa vida nos faz ser quem somos
quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta.
Somos facilmente vulneráveis a sentimentos
como raiva, inveja, vaidade, tristeza, luxúria... e o destino são as guerras,
sejam civis, sejam internas. E neste anseio de sobreviver, apostamos nosso mais
precioso bem, o tempo, com planejamentos desde muito cedo e esquecimentos até
muito tarde. Mas não para o poeta. Aquele que desperta e se questiona, que se
engaja na busca do sentido da vida. E nessa busca encontra "o tempo".
Que continua a passar, na dor, na alegria, no desespero, na calmaria. E que bom
que tudo passa. À benção as rugas que mostram as curvas do tempo.
Dessa forma, neste encontro mensal da
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do Paraná, trouxemos a proposta
de celebrar a vida, o tempo, a dor e a morte. Esse ciclo que nos acompanha e
negligenciamos com medo do desconhecido. Quem sabe mais da dor que cala do que
o
poeta? Quem sabe mais da dor de poeta do que
aquele que viveu por quase um século e atravessou duas eras tão distintas?
Dedicamos este dia à poetiza quase centenária da história do Brasil, Cora Coralina,
que faleceu aos 95 anos ( 20/08/1889 - 10/04/1985) na sua terra natal, Goiás.
Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas,
adotou o pseudônimo de Cora Coralina aos 14 anos, mas não o tornou público. Ao
completar 50 anos a poetisa passou por uma marcante transformação interior, a
qual mais tarde chamou de "a perda do medo". Naquele momento, assumiu
o pseudônimo que
escolhera para si muitos anos atrás.
A Perda do Medo. É a mensagem de Cora
Coralina para nós. Ela teve a maioria de suas obras publicadas após os 70 anos,
sendo a prova de que não existe idade para o sucesso. Adotemos pseudônimos e
esqueçamos do tempo. Como ela mesma escreveu, de hoje em diante levaremos
apenas o que couber no bolso e no coração.
CORA E O TEMPO
Cora, filha de
Goiás
Quando pequena já
era gigante
cansava com suas
perguntas
era Cora, a menina
falante
daquelas terras
robustas.
De longe sabiam ser
ela
o retrato feito do
seu falecido pai
cabisbaixa quando
os olhares nela
e se ao céu a
mirar, cai.
Após 45 anos,
retorna a Goiás
Resolve ser doceira
e publicar
Vinham todos a
velha casa dos seus pais
comprar um doce e
um exemplar.
Viveu sua vida como
bem queria
sem limitações após
a viuvez
essa maturidade
certeira
fez dela a moça
nonagenária da vez.
E assim,
inspira-nos, os leitores
a olhar acima mesmo
que ainda a temer
com seus doces,
seus escritos e seus amores
descobriu a arte de
viver e escrever.
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