16 setembro, 2017

PARA ALÉM DA CURVA DO VENTO...

Por:
Coracy Teixeira Bessa
Regional BAHIA


















Lá, onde o vento faz a curva, tudo começou.

Nem bem se descobriu mulher, estava a se preparar para ser mãe. Sem mesmo se dar conta como e porquê. Não que fosse algo estranho: acontecia sempre, com amigas e outras nem tanto. Curiosidade, indiferença, paixão ou temor, todas as motivações levavam ao mesmo resultado: algo novo em suas vidas, destino igual ao de mães e avós. E o tempo passando, rápido e lento ao mesmo tempo, chegando a lua do nascimento. Mãe Bela reclamando dos gritos, Vó Bilu empurrando-lhe o ventre, Pai Vevé bebendo pinga na porta da tapera, enquanto Salu, fugindo de responsabilidades e carinhos, estropiava o cavalo baio que o levava para onde o Judas perdeu as botas. Onde seria?.

Resguardo vencido, leite escasso sugado à exaustão, o filhote esticava, mas não engrossava, o choro mais fraco se espaçava e... cessou. Mais uma cruz tosca espetada no montículo de terra vermelha, bem nos fundos da capela em ruínas, invadida por cabras lambedoras de tijolos, a mastigar as beiradas dos bancos rústicos que padre Lourenço conseguira prometendo votos para Calu de Tomé. Eleição perdida, o padre se mandara para outras bandas e os devotos ficaram ao Deus dará. Será?. Deinha voltou à plantação: Pai Vevé não dava mais conta – a barriga inchada não deixava. Vó Bilu mal se agüentava nas pernas, gemendo de reumatismo. Sobrava trabalho para Bela e Deinha, faltava comida na mesa da cozinha. Nada mais a perder, Deinha debandou... Sacou?.

Procurou Salu. Como quem não quer perder o que restou da débil esperança que nutrira de mudar de vida, insistiu em se manter honesta, enquanto pôde. Não encontrou trabalho, nem Salu. E deu...

Deu e perdeu: a beleza do corpo jovem, a saúde, a auto-estima. Finalmente, a sanidade. Num crescente processo de alienação, expulsa do puteiro de Carmela, pernoitava nas soleiras de portas comerciais, deambulava entre latões de lixo e pútridas águas de esgotos a céu aberto, dormitava junto a cães, em gramados de praças, enxotava ratos e perseguia baratas que infestavam suas sacolas cheias de trapos e restos. Só não perdeu a ambição de capturar uma “esperança”.

Em busca dela, galgou os degraus da ponte seguindo um arco-íris que surgira após a chuva da manhã. O arco colorido, entretanto, se afastava, à medida que se alçava entre as ferragens da estrutura antiga e sem vigilância. Via-lhe o reflexo nas águas escuras poluídas por fábricas e barracos, palacetes e condomínios.

Via, principalmente, o verde-cana das asas brilhantes, delicadas, do inseto que a encantara na infância. O inseto de salto instantâneo, que a surpreendia e frustrava ao tentar capturá-lo. O gafanhoto estava ali, à sua frente, à altura dos seus olhos extasiados, encarapitado no mais alto da grade de contenção da ponte. Não resistiu: emaranhou os pés descalços entre os arabescos de ferro batido, volutas barrocas e folhagens art-nouveau transplantadas de outras plagas. Alçou o corpo magro, sujo e maltrapilho. Esticou os braços, as mãos ávidas no desejo de capturar algo vivo, belo, inefável – tão inatingível quanto os sonhos que acalentara, lá onde o vento faz a curva.

E a “esperança” voou para além da curva do vento...



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