Maria de Fátima Barros Calife Batista
Regional PERNAMBUCO
Estamos vivendo um tempo de
mudanças bruscas, nos hábitos e correspondentes significados. Casar já não mais
significa zelar pela perpetuação da espécie humana que por sinal, anda muito
desacreditada de valores, dantes preservados. No reino animal, o homem foi o
único agraciado com a racionalidade. Mas ao que parece, está regredindo no
sentido contrário ao que seria de esperar quanto à evolução. A destruição
galopante que promove, no planeta em que habita, e a violência desenfreada
contra os semelhantes, não deixam dúvidas quanto ao futuro sinistro reservado
aos sobreviventes.
Voltando ao tema do acasalamento,
entre os animais cumpre-se um ritual de cortejo que precede o ato. De tanto
tornar-se rebuscado o ritual humano passou a ser supérfluo. Não mais anuncia o
início, ou reinício, das atividades sexuais, tanto nos casos de um primeiro
casamento, quanto nos que põem fim à viuvez. Aliás, vale lembrar que o homem é
o único entre os animais, que exerce o acasalamento, sem fins reprodutivos. Além
da capacidade de raciocínio e elaboração de uma linguagem complexa, o homem foi
beneficiado com o desejo sexual, independente do período da fertilidade
feminina. Graças a ele, esse complemento da afetividade antecede a cerimônia
ritualística, seja ela religiosa ou profana.
Pois bem, enquanto a biologia
apostava nos métodos naturais de procriação, as mulheres apoiadas pelos
parceiros, que hoje correm da paternidade como o diabo da cruz, deixaram de
considerar o instinto maternal como prioridade. Entrou no mercado de trabalho
com a determinação de alcançar a igualdade de direitos, pouco ligando para a
sobrecarga que enfrentaria no futuro, quando a maternidade viesse a
concretizar-se. Atualmente fala-se até em produção independente, em lugar da
união compartilhada dos encargos, sejam eles divididos com pessoas diferentes
ou iguais em gênero. Vale
mais se garantir independência financeira antes de subjugar-se a uma união
supostamente estável que muitas vezes se desfaz por motivos os mais banais. A
prática de congelamento de embriões, e posterior seleção discriminativa são
passíveis de processo e condenação, pelas normas da Bioética. Mesmo assim, são
exercidas.
Todo este preâmbulo foi elaborado
com a segunda intenção de relatar, a seguir, uma cerimônia matrimonial atípica.
Pelas características do local escolhido, pela indumentária dos convidados, e
os acepipes gastronômicos oferecidos, dei-lhe a alcunha de “Casamento
Tropical”!
O convite, feito com a
antecedência de apenas uma semana, surpreendeu os frequentadores de uma praia
nordestina, restritos a uma faixa de uns cinquenta metros, onde o mar é
protegido pelos arrecifes. Na fase de maré baixa, forma-se ali uma pequena
baía, apelidada de “Aquário de Deus”. Lá, tubarão nenhum consegue encalhar! A
casuística de mortes é alta, apenas porque esse pedaço da natureza é o
preferido dos idosos do bairro. Vez em quando, alguém desaparece de cena. Se
demorar um mês sem dar notícias, já se providencia uma missa para encomendar a
provável transposição da alma penada. A figura mais carismática do local tem
lugar cativo no banco de concreto, que estabelece o limite entre a calçada e a
areia da praia. Fica situado ao lado de um quiosque, onde são comercializados cocos
verdes, garrafas d’água, e outros produtos comestíveis. Pela assiduidade e liderança
intelectual exercida, é um “jovem jornalista” passando já dos oitenta, com experiência
profissional respeitável e contador de estórias memoráveis, jocosas e por
vezes, inacreditáveis... Há cerca de uma década, namorava uma senhora que
apesar de aparentar um pouco menos de idade que ele, já é bisavó. Muitos
caminhantes do calçadão fazem uma pausa para divertirem-se, escutando-o. Depois
de algumas cenas públicas de ciúme, protagonizadas pelo casal, resolveram
oficializar a relação. Seria armado um toldo na areia, caso houvesse ameaça de chuva.
Ali, existe uma rampa que dá acesso à areia. Todos os frequentadores do local se
conhecem. Relacionam-se, em geral com bom humor e carinho. Uma barraquinha
volante vende abacaxi e empresta “apoio de guarda” às sacolas das “meninas da
praia”, quando estas se encorajam para entrar no mar. A princípio veiculou-se o
boato de que o Pastor, celebrante do casório, chegaria à praia a bordo de uma
jangada. Esse fato não veio a acontecer pois as manhãs estavam nubladas e os
ventos poderiam atrapalhar a pretensa curta navegação.
No dia e hora marcados, cheguei
pontualmente, vestida de modo esportivo. O cenário já estava armado. Uma mesa
ostentava o majestoso bolo branco ornado com flores de glacê na cor das rosas.
Outra mesa, também armada sobre a areia, estava cheia de frutas da época, cortadas
em pedaços e espetadas por palitos, para facilitar o serviço. Abacaxis, melões,
mamões e melancias disputavam espaço com fatias de bolo de rolo e brigadeiros.
Salteadas, caixas de sucos de frutas alertavam que não haveria brinde
alcoólico. Bancos e cadeiras de praia formavam um círculo em torno dessas
mesas. Penetras ocasionais logo se chegaram,
curiosos e tentados a usufruir do banquete. Outros queriam saber se havia algum
golfinho, ou tartaruga, que o mar rejeitara por estarem feridos, casos já
registrados anteriormente no local. Logo se formou uma multidão. O sol foi
esquentando. Não havia assentos suficientes. Houve um discreto reboliço causado
pelo receio de que o glacê do bolo se derretesse. Mas isso não aconteceu apesar
do discurso prolongado do pastor. Engessado, dentro de uma camiseta de mangas
longas e bermuda sustentada por um suspensório, o celebrante segurava a Bíblia
com a mão direita e, talvez por força do hábito, mantinha, na mão esquerda, a
aba de um boné com a concavidade disponível para receber uma dádiva, caso
alguém resolvesse ter a feliz iniciativa. O público presente era diversificado,
com uma ligeira predominância de mulheres.
Os comentários paralelos não paravam
de acontecer. Aí, deu-se a inadequação do conteúdo do discurso: Em alto e bom
som dizia o homem de Deus: “O Macho foi delegado pelo Altíssimo a prover as
necessidades da mulher. Dotado de toda a criatividade, ele seria ajudado pela
fêmea a qual, por sua vez, deveria lhe jurar submissão”. Seguia com alegações
explícitas de homofobia. Exaltava a Bíblia como proclamadora da heterossexualidade,
sendo a única possibilidade justificável da satisfação carnal. Cochichos
proliferaram-se. Homens diziam: “Vou gravar esse discurso para transmiti-lo a
minha mulher”. Outros murmuravam, entre os dentes: “Em que época esse pastor
está vivendo? Nem Jesus Cristo era tão rigoroso...” As mulheres revoltavam-se
com a humilhação. Aos poucos, sorrateiramente, foram se aproximando da mesa de
quitutes, pois a maioria comparecera em jejum, dada a precocidade da hora
matinal anunciada para a celebração. Todos estavam famintos, sedentos e
afogueados. A princípio, faziam pequenas incursões aos alimentos para em
seguida, disfarçadamente, afastarem-se. Contudo, antes mesmo de ter sido dada
por encerrada a cerimônia, a comida voou. Aí, resolveram partir o bolo. De
imediato, formou-se uma fila. Mas, já não havia mais pratinhos de plástico,
para servi-lo. Encorajaram os convivas a
pegar guardanapos e copinhos no quiosque. Na turbulência que se criou, ninguém se
lembrou de guardar um pedacinho de bolo, que fosse, para o dono do quiosque que
de tão antigo no lugar já estendeu as funções do atendimento à segunda geração
da família. Não restam dúvidas de que foi uma solução criativa, achada pelos
nubentes, em tempos de celebrações caríssimas em que os casamentos atuais se
transformaram. Porém, um pouco mais de cuidado na escolha do celebrante não
faria mal. E fica um alerta quanto à escolha dos convivas: É arriscado
convidar-se um escritor! O tiro poderá sair pela culatra. Um cronista sempre
estará atento às circunstâncias pitorescas de um evento. Pois, é de lá que ele absorve
matéria-prima para as suas “criações ficcionais”!
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