Hermes Marcondes Lourenço
Regional MINAS GERAIS
Desde pequeno me esforcei para ser um
astronauta e ir trabalhar na NASA. Era motivo de riso de meus colegas, que
sempre diziam que eu era louco e Nerd.
Eles estavam certos. Sonhos se
desfazem no meio do caminho e as vezes tento medir o que nos resta quando
nossas maiores aspirações são desfeitas. Medo, insegurança. Talvez... Eu
prefiro denominar esse sentimento de frustração.
Hoje faço 35 anos e é meu aniversário.
Não é um dia de comemoração ou de festividades, não para alguém que teve seu
maior sonho destruído. Olho ao redor, e vejo apenas pedaços desfeitos de meu
maior desejo. Restaram foguetes que nunca alçaram voos e projetos
meticulosos que ficaram apenas no papel. Ah! Se a Nasa os visse! Tenho certeza
que já teríamos pisado em Marte ou quem sabe descoberto o verdadeiro segredo
que se esconde por traz dos “buracos de minhoca”. Não posso reclamar, por outro
lado fui recompensado com meus amigos verdadeiros que se fazem presentes. No
meu caso, Cintia e Marcelo.
Sim, eles são as únicas pessoas que
não deixaram que meu aniversário caísse no esquecimento, e estão aqui,
arrumando os doces e pregando os balões no teto e preparando a mesa com meu
bolo em formato de foguete.
Cintia é uma bela amiga. Já tive um
caso com ela. — Mas isso fica entre nós —, e Marcelo eu tenho quase certeza de
que ele é gay. Não que eu seja preconceituoso. Pelo contrário. Respeito cada um
em sua individualidade. Mas eles são meus amigos e amigo de verdade nunca te
abandonam e a amizade sempre perdura, desde a infância.
Desfiz o namoro com a Cintia por que
percebemos que nossa relação parecia que ela tinha amor de mãe, mas o grande
problema é quando o relacionamento se torna intenso, e as mulheres gostam de
dar palpite. Sempre acreditei que no relacionamento perfeito os limites
individuais são respeitados, que em outras palavras “cada um no seu quadrado”,
e por isso optei em permanecer apenas com meus projetos. Imagine só, Cintia
querendo dar palpite nos projetos de meus foguetes. Por isso optamos em manter
a amizade.
Marcelo é graduado em engenharia
aeroespacial. Quando ele entrou na faculdade, ele sempre me dizia que eu devia
estar em seu lugar. Nisso ele tinha razão. Sei que ele ainda permanece meu
amigo devido a termos crescidos juntos, mas na verdade houve uma época que
achava que ele roubava meus projetos — e ainda acho.
Ele é uma boa pessoa. Seria meu lado
bem-sucedido. Trabalha na NASA e conseguiu chegar onde eu nunca cheguei. Não
tenho inveja dele não. Pelo contrário, as vezes acho que ele não seja tão bom
no que faz, porque se fosse, não ficaria interessado em meus projetos.
Mas ele é uma pessoa bacana, e nunca
me abandonou.
Eles são o que restou de minha
família.
Meus pais morreram cedo, quando eu
ainda era criança e essa é a maior razão de meu fracasso nesta vida, pois
quando temos pais que nos apoiam, até o universo é pequeno.
Como disse hoje completo 35 anos.
Sim, 35 anos longe das estrelas... Apenas olhar para elas e ver a lua foi o
mais próximo que estive do espaço.
Meus convidados chegaram, todos
vestidos a rigor.
Me deram uma bebida, balas e de
repente, o mundo tornou-se uma espaçonave.
Sim, eu conseguia voar, e tocar a
estrelas. Eu tinha a minha própria espaçonave.
Vi os anéis de saturno, o sol que em
sua mestria iluminava nosso sistema.
Até que por fim não acreditava. O
“buraco de minhoca”. Lá estava ele, bem diante de meus olhos e sem hesitar,
saltei para dentro dele.
— Dr. Luiz Otávio, o que ele têm?
— Esquizofrenia e depressão
psicótica. Ele têm alucinações com a mãe Cintia que se suicidou após manter
relação afetiva com ele. O pior é que ele considera o pai, como se fosse um
amigo gay e não o reconhece. A eletroconvulsivoterapia é uma
tentativa de trazê-lo a realidade.
— Professor, ele já recebeu duas
descargas elétricas na cabeça. Isso não é perigoso?
— O velho docente riu. Não. Hoje os
pacientes são sedados antes do procedimento. Por isso temos o anestesista
presente. Essa prática já uma rotina e segura. Não tem nada a ver com cadeiras
elétricas dos sentenciados a morte. Espere... Meu Deus! — Gritou o docente
enquanto o paciente se contorcia em múltiplos espasmos e um filete de sangue
espesso escorria pelas orelhas e manchava o lençol branco, junto ao cheiro de
queimado.
Levantou os cabelos longos do pobre
moribundo, inconsciente enquanto o anestesista lutava pela vida em uma
reanimação malsucedida.
Foi então que o monitor cardíaco se
tornou uma linha reta, anunciando o final da viagem para o paciente do quarto
33, enquanto o docente lembrou-se com tristeza e pesar que o pobre paciente
usava aparelho auditivo por uma deficiência congênita na qual a equipe havia se
esquecido de retirar, ficando camuflada pelos longos cabelos e barba de alguém
que um dia sonhou em ser astronauta.
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