26 setembro, 2017

“PINCE-NEZ” e “LORGNON”

Por:
Pedro Franco
Regional RIO DE JANEIRO










Ele usava pince-nez e ela lornhão. Ele via o tempo em relógio de bolso Patek Philippe, ela perguntava as horas. Tinham títulos universitários, mas nunca trabalharam. Viviam de rendas, deixadas pelas famílias. Eram primos de distante parentesco e usavam vários sobrenomes, ainda que se tratassem por diminutivos. 

Amavam-se ao próprio jeito e com total discrição e recíprocas gentilezas. Ambos não tinham parentes. Eram muito sociáveis e frequentavam o Country Club e o Teatro Municipal. Sorriam dos do "café-society" e dos que agora ganhavam euros e pagavam para aparecer nas colunas sociais, ou alegravam-se com fotos na “Caras”. Detestavam política e não votavam, porque corriam para Paris em épocas de eleição, ainda que julgassem muito interessantes as democracias e os movimentos contra a fome no Nordeste e em Bangla Desh. Nunca procriaram, mas julgavam crianças bonitinhas e vivificantes. Liam os clássicos e citavam Joyce e Proust por qualquer motivo. “Comme il faut”. Valorizavam o francês e riam das camisetas com dísticos em inglês e propaganda de grifes. 

Nini sempre de sapatos de salto alto e Lulu de sapatos de cromo alemão e cadarços, ambos feitos sob medida. Foram envelhecendo, com a mesma classe, indo às festas de pessoas bem nascidas. Os convites começaram a rarear. Evitavam enterros e lugares da moda. Nunca poriam os pés no Cemitério do Caju, por mais nome que tivesse o falecido.

Por fim morreram envenenados por gás. As mortes só foram percebidas, quando já começavam a feder. O segurança da rua chamou a polícia, ao sentir cheiro de gás, vindo da grade do número 999 da Rua Lopes Quintas. E os empregados não avisaram? Estavam acostumados a chegar pela manhã e encontrar o portão da mansão fechado, pois os patrões, bons patrões porque pagavam bem, ainda que pouco falassem com eles, viajavam sem avisar. Seus ordenados estariam depositados no banco, sabiam. Os dois estavam vestidos a rigor, ainda que em decomposição. Os corpos, em estranhas posições, estavam jogados, como se tivessem pretendido ficar sentados nas “bergères” de couro da sala de visitas, distantes uma da outra.

“Lorgnon” e “pince-nez” no tapete persa, já algo coçado, ao lado das cadeiras, mas mais próximos que os dois corpos. Não foram encontrados bilhetes, ou testamento. Também não havia mais fortuna, que naquele mês desaparecera. Saldo zero no banco. Com a venda da mansão pagou-se empregados, últimas contas, imposto de renda e o advogado, que administrara seus bens durante sessenta anos. Não deixaram dívidas, nem saudades. 




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