28 setembro, 2017

FRATRICÍDIO EM CARAHYBAS

Por:
Agatângelo Vasconcelos
Regional ALAGOAS













Os fratricídios do Sítio Carahybas causaram justificados horror e perplexidade. A sociedade provinciana, logo no segundo ano do novo século (1902), que se esperava de progresso científico e de universal compreensão entre os homens, via-se ameaçada em sua base, a família, pela brutalidade e pela inexplicabilidade do tenebroso acontecimento. Vivia o Brasil a denominada "República Velha" sob a presidência de Campos Sales, e em Alagoas, a "oligarquia Malta" era prestigiada pelo Governo Federal por sua política de apoio as oligarquias regionais, conhecidas como "política dos governadores". O catolicismo romano estava sob a égide da encíclica papal "Rerum Novarum", promulgada por Leão XIII em 1891; houvera o massacre genocida de Canudos (1897), e o Juazeiro do Norte estava sob grande efervescência política e religiosa.

A República (1889) trouxera a inflação, instituíra o casamento civil e separara a Igreja do Estado. A família era alcançada, pois, por pressões e por mudanças sociais importantes, as quais certamente atingiram-na em sua estrutura dinâmico-social.

Qual teria sido, interrogava-se, a "... causa que levou essas duas infelizes mocinhas a prática de atos de verdadeira selvageria, que alarmaram a sociedade? " A imprensa, emergente porta-voz do estarrecido meio-social, tornava públicos os delitos, questionava-os e exigia o seu esclarecimento, dentro de um padrão científico e legal. O drama daquela família agrestina, humilde e desconhecida, no seio da qual simplórias adolescentes praticaram crimes tão bárbaros e irrazoáveis que as fizeram derramar, no seio da própria família, o luto a dor e a desolação, tornando-as para sempre desgraçadas..." sensibilizou ao bacharel em Direito, Dr. Euclydes Vieira Malta, chefe da clã que então detinha o Poder Público em Alagoas. Homem de formação humanística, este Governador ocupou-se pessoalmente do assunto, já que na época sobravam tempo e sensibilidade aos Chefes de Estado para levá-los a este tipo de envolvimento. Por esta razão, o próprio Governador assistiu a um ligeiro exame medico a que foram submetidas ambas as acusadas e, inclusive, fez-lhes algumas perguntas. Daí julgou conveniente designar uma comissão de médicos para elaboração de um documento pericial acerca do caso, ou mais especialmente, sobre o estado mental das irmãs fratricidas. Outro, aliás, não era o desejo formulado pela imprensa, que por seus principais órgãos apontava o mesmo caminho e exigia um trabalho de alta qualidade, como já foi visto. Todo o absurdo da situação estava a exigir uma explicação científica, vale dizer, aceitável pela sociedade: só assim poder-se-ia compreender e posteriormente assimilar tão hediondo acontecimento ameaçador da integridade da família e, por extensão, do "status quo" vigente. E só a loucura, isto é, a não razão, poderia justificar ameaça assim radical ao "stablishment". Mobilizaram-se, pois, a imprensa, o Poder Público e o Saber Cientifico. Este último representado pela Medicina Legal e caudatário do anterior. E que pelo cientificismo dominante nas elites culturais, caberia ao discurso psiquiátrico lançar luzes sobre a questão. Desejamos expressar que o manifesto humanitarista das instituições, ocultava a existência latente e preponderante de urna imperiosa necessidade de serem contemporizadas as forças em jogo e de se apaziguar o meio social. E que isto se processou através do Saber Científico, via discurso psiquiátrico e diagnostico médico-legal. Um sofisma social que poderia ser expresso da seguinte maneira: se tudo houvesse acontecido em decorrência de uma doença mental cientificamente definida, essa patologia, conteúdo e continente dos escabrosos fatos, encerraria a questão por explicá-la e justificá-la racionalmente.

Estaria a salvo a família, célula mater da sociedade: somente a loucura mais extrema levaria ao fratricídio mais incompreensível e gratuito.

As instituições sociais cumpriram o seu papel. As instituições estavam apaziguadas.

Vale ressaltar que embora não fosse essa uma atribuição do documento médico-legal em apreciação, em momento algum os seus autores mencionaram qualquer preocupação terapêutica em relação a Antônia, considerada como portadora de afecção mental, ou alguma forma educativa ou reeducativa em referência a Rosa. Já Euclydes Malta, em sua mensagem acima citada, lamenta nada poder fazer pelas acusadas: "Deploro não possuirmos uma casa ou estabelecimento, onde pudessem ser convenientemente observados e tratados indivíduos em tais condições, e mesmo educados no caso de lhes voltar a integridade da razão. Estivessem em melhor pé as nossas finanças e eu não teria dúvida em vos pedir meios, para que se fundasse mais esta pia Instituição”.

Fica evidente que tal "humanística preocupação" tinha como linha mestra, custodiar as menores em uma nova Instituição pia, isto quer dizer, segregá-las, afastando-as do meio social e familiar onde viviam, no sentido de protegê-las a qualquer custo.


Que bom para Antônia e Rosa que as finanças do Estado de Alagoas, já àquela época, estivessem tão combalidas!


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