Por:
Paulo Expedito Rodarte de Abreu
Regional MINAS GERAIS
Hoje chove. Há uma semana tem chovido de forma aguda.
Sorriem quem ama a chuva. Descabela-se quem a detesta.
Na roça as águas que descem do
alto são motivos de regozijo. Elas tintam de verde o entorno. Fazem crescer os
pezinhos de milho nanicos. Engordam a vacada antes de costelas a mostra.
Aumentam a produção de leite antes modesta. Em contrapartida alguns problemas
são imputados à chuva ao desvario: enxurradas vertiginosas que levam o recente
cascalho inserido ao morro agudo por onde sobe o caminhão leiteiro. O barro
vermelho, a umidade em excesso desagrada às vacas baldeiras. E o estoico homem
do campo, durante a chuvadonha que despenca subitamente não tem como sair de
casa e ali fica, olhando pela janela de vidros quebrados toda a desilusão dos
meninos da roça, que, na falta de transporte escolar ficam de castigo torcendo
para que a chuva pare. Para no dia seguinte voltarem à escola.
Para Seu Zé, caboclo de mãos
caludas e tez tostada pelo sol inclemente, a chuva que recomeçou depois de um
período intermitente foi a salvação da lavoura. No dia quando o céu se
desvestiu de sua roupagem azul, para vestir a roupa cinzenta, ele, de mãos
postas ao alto, exclamou bendizendo a situação: “nem tudo está perdido”.
Há coisa de anos e anos a fio
tenho tentado inserir cultura onde ela descansa. Publico livros e livros. Não
da minha área especifica, a urologia. E sim contando causos, historinhas curtas
chamadas de crônicas, outras fantasiosas, romances onde o mistério, o sexo, o
suspense, penso que fazem os leitores não se desgrudarem do lido. Até hoje são
contados mais de quinze deles. Com o que nasce em dois dias a conta sobe aos
dezesseis. Caso fosse editar todas as crônicas escritas, quase impossível
nomeá-las todas, são mais de dez mil, considerando-se que meu último livro de
crônicas, Mugido de Vaca e Cheiro de Curral tem cento e oitenta e oito,
escolhidas entre mais de mil textos, em uma pasta apenas, dividindo-se dez mil
por cento e oitenta, quantos livros novos seriam escritos? Façam e refaçam a
conta vocês. Pois, escritor contumaz que sou não me dou com números. Entre as
palavras, letras, vírgulas e pontos finais sinto-me em casa. Como na casa onde
durmo em paz.
De tempos pra aqui tenho feito
pesquisa entre as pessoas com quem passo nas minhas caminhadas matutinas e
vespertinas.
A elas indago: “vocês têm o
costume de ler”? “E de escrever”?
As respostas variam. A maioria
esmagadora diz não. Na academia onde passo horas e horas sagradas me
exercitando, num dia qualquer, fiz a mesma pergunta a mais ou menos vinte
pessoas. De físico apurado, pernas fortes, braços musculosos.
“Qual o seu tipo de leitura
predileto”?
Uma linda moçoila respondeu,
depois de retirar seu fonezinho de ouvido das duas orelhas: “leio o que me dão.
De graça”. À resposta emendei outra: “e se você tivesse de escolher entre
comprar uma peça de roupa da moda, e um livro meu, qual deles você compraria”?
Ela voltou a inserir o fone de ouvido em altos decibéis na sua cavidade
auricular e nem deu resposta.
A enquete, na academia,
continuou. A grande parcela dos entrevistados disse não ser das suas
predileções a leitura. Um ou outro afirmou que apenas lia livros técnicos. Os
demais disseram que nunca leram um livro impresso. Apenas os Ubooks da vida.
Mesmo assim os relativos a suas áreas de atuação.
Ontem ia subindo a rua, depois de
finda a academia, a fim de fazer uma visitinha ao meu neto, quando me deparei
com um rapaz esguio assentado ao meio fio.
Ele lia vorazmente um grosso
compêndio. Parei junto a ele para conversar rapidamente.
Foi quando passei os olhos em
qual livro ele lia. Era um livro enorme, em inglês. A versão mais nova de um
livro de William Shakespeare no original. Hamlet ao rapazola fazia perder a
noção de tempo e espaço. Tal era a atenção que o jovem ao livro dispensava.
Parei cerca de dois minutos
esticando a prosa. O nome do rapaz era Fernando. Ele me confidenciou que amava
literatura, em que idioma fosse escrita. Acabou citando mais de dez línguas.
Deixei-o entregue a sua leitura
de Shakespeare. Hamlet o fazia quase parar de respirar.
Ao sair-lhe do campo de visão,
estava próximo ao apartamento do Theo, foi que pensei, após quase dezesseis
livros publicados, mais de dez mil crônicas escritas, a espera de um dia criar
coragem e mandá-las a uma editora qualquer, que nem tudo está perdido. Uma
luzinha tênue, quase um vagalumizinho anemiado, me dizia, com sua vozinha
piscante: “doutor, não desista da sua arte.
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