Zilda Cormack
Regional RIO DE JANEIRO
In memoriam
É uma graça. Com que desenvoltura
desfilam entre as pessoas. Parecem que estão em casa e acho mesmo que sim.
Percebe-se facilmente que estão acostumados com “gente”, pois circulam
livremente de um lado para outro sem adotar qualquer atitude que demonstre
medo. Fico pensando: Como são felizes! Desconhecem essa sensação que agora,
mais do que nunca, vem norteando a vida das pessoas que transitam
obrigatoriamente pelas ruas de cidade, nas estações de trens, metrôs, lanchas,
ônibus, etc: O MEDO. Multidões se deslocam por necessidade quando vão para o
trabalho, escolas, compras ou ainda a procura de empregos.
Outros a procura de “trabalhos
especiais”. Sim, para uma espécie de “gente” assalto se constitui trabalho e
dos mais rendosos, se não nem haveria tanta gente a usar esse recurso para a
sua própria sustentação e a da família que lhes aguardam. É uma lástima, mas
isso é a nossa realidade.
Voltemos, porém ao meu ponto inicial: São eles
mais felizes do que nós que sempre saímos para a luta, apreensivos com as
pessoas que nos cercam, se têm jeito de assaltantes ou coisa semelhante,
oportunistas ou mesmo para nos solicitarem algo. Tomamos logo um susto na
abordagem. Eles não. Estão tão felizes que andam no meio das pessoas sem nada
temer. Vez por outra, engrenam um vôo rasante, quase a tocar em nossas cabeças,
num alegre bater de asas, juntando-se aos outros que lhes aguardam tranqüilos,
pousados nos travessões de madeira que encimam o telhado da estação das lanchas
que ligam as cidades do Rio de Janeiro e Niterói. Alguns deles levam no bico
algo que encontram no chão jogado de propósito por algum passageiro que se
distrai observando-os mais de perto, enquanto aguarda a chegada da lancha.
Naturalmente já viram que eu estou me referendo aos pombos que moram na sala de espera das lanchas que ligam
essas duas cidades.
Não sei se eles são portadores de doenças,
vírus ou coisa qualquer que possa molestar o ser humano. De uma coisa eu tenho
certeza: eles NÃO TÊM MEDO. Sim,
esse medo que está escravizando os habitantes de nossa cidade e que
infelizmente tem que ser enfrentado diariamente por grande parte da população
para o “pão nosso de cada dia”.
Como vocês são felizes meus queridos pombos!
Que lição de sabedoria nos transmitem. Eu os veja a caminhar ao meu lado e tão
junto às demais pessoas que os cercam nesse exímio espaço de chão, como um
desafio a nossa presença, tal a segurança que sentem e a certeza de que nada de
mal lhes ocorrerá. Bom dia, amigos. Afinal algum ser vivo consegue andar despreocupadamente
entre a multidão, sentindo segurança e alegria por estar vivo e participando da
vida.
A lancha aporta e eu me despeço de vocês, me
lembrando que amanhã, quem sabe, eu poderei apreciá-los novamente, felizes
pombos, nessa liberdade e alegria que deveriam ser parte da natureza humana e
que cada vez mais desaparece em virtude do MEDO que está tomando lugar no
direito do homem de ir e vir.
Já
a caminho da embarcação, lanço o olhar de relance para trás e ainda os vejo
voando, parecendo a meus olhos que estão sorrindo da própria alegria e
confiança que aprenderam a depositar no homem ou então rindo-se do MEDO que
esse mesmo homem tem do outro semelhante que caminha a seu lado.
Parabéns para vocês pombos, que caminham
livres, sem medo, entre as pessoas na sala de espera da estação das lanchas.
Acho mesmo que a observação serve como lição. Quem sabe o defeito é nosso? Será
que desaprendemos a arte de confiar no ser humano? Vamos alimentar o desejo de
um dia virmos a ser iguais a vocês, livres, libertos do medo, caminhando com as
outras pessoas para um mundo melhor, cuja segurança se encontre em cada um para
ser repartida por todos.
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