19 julho, 2017

A ANDORINHA SOLITÁRIA

Por:
Luiz Alberto Fernandes Soares
Regional RIO GRANDE DO SUL 













Era um final de tarde, já quase dentro da noite. Estava presente um clima ventoso de inverno. Temperatura na marca de oito graus. O nordestão se debatia com volúpia sobre as águas do mar, fazendo suas ondas invadirem sem limite as ruas e demolirem os últimos comoros de areia que restaram, já que  agora as carroças  que retiram areia para vender aos incautos que compram-na  para reboco, com mistura de areia salgada, o que é extremamente prejudicial a segurança das obras, estão sendo presas, por destruírem a natureza.

O sol ao entardecer ainda mantinha intensa luta para não soçobrar diante do manto da noite, que vinha descendo, sem pedir permissão. Tive a impressão que a noite dizia: - É meu turno de plantão. Vai-te sol que eu assumirei a amplidão do espaço.

Estava voltando de uma caminhada pela passarela das areias, quase coberta pela espuma que as ondas deixavam na praia, como se fossem gotas de lágrimas derramadas por quem se despedira para longa viagem, quando escutei o trinar de um pássaro.
            
Levantei o olhar e vi um ponto preto com listas brancas que realçavam a linda silhueta esguia e sóbria. Firmei o olhar, já quase no lusco-fusco, e vi que o vulto era de uma andorinha.
            
Fiquei surpreso. Parei. Recuei dois passos na tentativa de encontrar melhor ângulo de visão, no desejo de identificar, com certeza, que se tratava de uma andorinha.
            
Quando tive plena consciência, que o pássaro que via, era uma andorinha, lembrei-me da máquina de fotografia. Contemplei a distância a fragilidade da luz. Conclui que nem com o uso de flash, o filme seria sensibilizado diante da ausência da luz no espaço e no objeto que desejava registrar na cromo em cores.
            
Diante do impasse, mudei de posição. Andei em círculo olhando para cima. O meu intento era examinar, admirar, identificar com detalhes a figura do pássaro que estava solitário, pousado sobre o fio de alta-tensão da rede elétrica.
            
Quando o meu cérebro registrou, sem dúvida que se tratava de uma andorinha, comecei a fazer mil conjecturas.
            
Pleno inverno. A grande família dessas aves migratórias há mais de quatro meses já havia deixado nosso país, rumo à Patagônia.
            
As andorinhas já haviam partido. Estivera presente nessa assembleia pública de despedida. Reuniram-se, as que vi, nesses mesmos fios. Tivera o prazer de vê-las voarem na direção do infinito, lá na saída do verão, rumo à nova pátria distante.
            
Recordei-as com emoção. Até de algumas lágrimas que se avizinharam dos meus olhos naqueles momentos de adeus. Pois o instante me fora tão sensibilizante que não mais esquecera da despedida...
            
Milhares de interrogações me vieram à mente diante da andorinha solitária. Teria sido o último rebento a nascer e por falta de capacidade física ficara sozinho no torrão natal?
            
Até não acreditei, já que se tratava de uma família ordenada, séria, amável que tudo planeja para que os herdeiros nasçam, todos no período certo para que tenham condições de migrarem com os pares e vencerem a larga viagem transatlântica!
            
Teria adquirido alguma patologia no final do verão e sem energia suficiente para decolar com seu clã, permanecera solitária?

Fato pouco provável! Também não creio, pela harmonia, sentimento de unidade, entendimento mútuo que reina no bando, o que pouco se vê entre nós, os tais pensadores, denominados racionais. Esse caráter deve ter se perdido nos tempos...
            
Duvido que elas tivessem partido deixando um fragmento da grande família. Grande em dois sentidos: - Eram mais de quinhentas presentes na reunião de despedida. E grande no poder de aglutinação de união fraterna e coesão harmoniosa.
            
Qual seria então o motivo? Por que essa andorinha teria ficado sozinha na plenitude do inverno, no Brasil? Por quê? Realmente foi difícil no momento entender o porquê da solidão.
            
Sentei-me na mureta da entrada e fiquei a contemplar o sol que já ia se escondendo, pareceu-me que também dando o seu adeus ao dia que fugia silenciosamente. Notei que a cada momento, a noite se fazia mais densa, reduzindo minha capacidade visual.
           
O vulto persistia ali imóvel. A andorinha solitária parecia triste, desolada, perdida, esquecida na imensidão de seus pensamentos.
             
O que estaria a imaginar? Acreditei que estava com saudade de sua família!
            
Tive vontade de chegar mais próximo e convidá-la a entrar e se agasalhar em minha garagem, já que o cair da noite fazia descer a temperatura.
            
A distância era longa. Mais de sete metros. Ali a olhá-la em pleno silêncio, não queria fazer nenhum movimento brusco para que ela não fugisse, diante de um gesto mais bruto.
            
Veio-me novo pensamento. Onde ela estaria morando? Talvez sob o telhado da minha casa ou de algum vizinho?
             
Diante de tão variadas conjecturas, fiquei a imaginar: - É possível que agora, já exista no Brasil, uma nova raça de andorinhas, resistentes ao clima de inverno e capaz de suportar as quatro estações. É bem possível que seja uma verdadeira trigênica, que algum cientista geneticista tenha criado na solidão de algum laboratório sulino e lançado ao espaço para constatar sua capacidade reprodutiva e sua resistência ao tempo.
            
Em verdade é complexo entender, conhecer os motivos pelos quais a andorinha estava ali solitária!
            
Agora, sim, a noite era a única habitante da amplidão sem luz. E dentro dela estava eu que praticamente não mais definia o vulto da andorinha, ainda pousada no mesmo fio. De quando em quando a identificava através do trinar melancólico e solitário, que contagiava minha alma também solitária.

Ouvia um som leve, distante que ressoava com pouca nitidez, apesar do nordestão ter amainado um pouco sua fúria desregrada.
            
Como já estava sentindo muito frio. Mãos geladas. Extremidades do nariz ardendo. Visão quase nula. Meu lindo objeto admirado não mais o via. Resolvi falar em voz alta.
            
- Minha amiga! Minha boa vizinha por acaso você não quer entrar?
            
Revi um vulto que parecia ter agitado  as asas. Entendi... Deveria estar aceitando meu convite. Ou talvez até dizendo:
            
- Eu já moro aí sob o teto de sua casa.
            
Então falei de novo, em voz mais carregada de decibéis.
            
- Vamos nos recolher que já está na hora e o frio a cada momento aumenta.

Ouvi um trinado mais longo e um vulto rodopiou mais baixo e ganhou o espaço, sob o telhado da minha casa.
            
Fiquei feliz e muito emocionado que ela era minha inquilina, sem nada pagar e que na verdade estava muito bem protegida do frio.

            
Também cruzei os umbrais da porta da frente, um tanto mais satisfeito, fugindo da intensidade do frio do inverno e conclui que a andorinha solitária em verdade reside comigo e como bem diz a frase popular: 

- Uma andorinha solitária não faz verão.




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