Luiz Alberto Fernandes Soares
Regional RIO GRANDE DO SUL
Era um final de tarde, já quase dentro da noite. Estava presente um clima
ventoso de inverno. Temperatura na marca de oito graus. O nordestão se debatia
com volúpia sobre as águas do mar, fazendo suas ondas invadirem sem limite as
ruas e demolirem os últimos comoros de areia que restaram, já que agora as carroças que retiram areia para vender aos incautos
que compram-na para reboco, com mistura
de areia salgada, o que é extremamente prejudicial a segurança das obras, estão
sendo presas, por destruírem a natureza.
O sol ao entardecer
ainda mantinha intensa luta para não soçobrar diante do manto da noite, que
vinha descendo, sem pedir permissão. Tive a impressão que a noite dizia: - É
meu turno de plantão. Vai-te sol que eu assumirei a amplidão do espaço.
Estava voltando de uma
caminhada pela passarela das areias, quase coberta pela espuma que as ondas
deixavam na praia, como se fossem gotas de lágrimas derramadas por quem se
despedira para longa viagem, quando escutei o trinar de um pássaro.
Levantei o olhar e vi um
ponto preto com listas brancas que realçavam a linda silhueta esguia e sóbria.
Firmei o olhar, já quase no lusco-fusco, e vi que o vulto era de uma andorinha.
Fiquei surpreso. Parei.
Recuei dois passos na tentativa de encontrar melhor ângulo de visão, no desejo
de identificar, com certeza, que se tratava de uma andorinha.
Quando tive plena
consciência, que o pássaro que via, era uma andorinha, lembrei-me da máquina de
fotografia. Contemplei a distância a fragilidade da luz. Conclui que nem com o
uso de flash, o filme seria sensibilizado diante da ausência da luz no espaço e
no objeto que desejava registrar na cromo em cores.
Diante do impasse, mudei
de posição. Andei em círculo olhando para cima. O meu intento era examinar,
admirar, identificar com detalhes a figura do pássaro que estava solitário,
pousado sobre o fio de alta-tensão da rede elétrica.
Quando o meu cérebro
registrou, sem dúvida que se tratava de uma andorinha, comecei a fazer mil
conjecturas.
Pleno inverno. A grande
família dessas aves migratórias há mais de quatro meses já havia deixado nosso
país, rumo à Patagônia.
As andorinhas já haviam
partido. Estivera presente nessa assembleia pública de despedida. Reuniram-se,
as que vi, nesses mesmos fios. Tivera o prazer de vê-las voarem na direção do
infinito, lá na saída do verão, rumo à nova pátria distante.
Recordei-as com emoção.
Até de algumas lágrimas que se avizinharam dos meus olhos naqueles momentos de
adeus. Pois o instante me fora tão sensibilizante que não mais esquecera da
despedida...
Milhares de
interrogações me vieram à mente diante da andorinha solitária. Teria sido o último
rebento a nascer e por falta de capacidade física ficara sozinho no torrão
natal?
Até não acreditei, já
que se tratava de uma família ordenada, séria, amável que tudo planeja para que
os herdeiros nasçam, todos no período certo para que tenham condições de
migrarem com os pares e vencerem a larga viagem transatlântica!
Teria adquirido alguma
patologia no final do verão e sem energia suficiente para decolar com seu clã,
permanecera solitária?
Fato pouco provável! Também não creio, pela
harmonia, sentimento de unidade, entendimento mútuo que reina no bando, o que
pouco se vê entre nós, os tais pensadores, denominados racionais. Esse caráter
deve ter se perdido nos tempos...
Duvido que elas tivessem
partido deixando um fragmento da grande família. Grande em dois sentidos: -
Eram mais de quinhentas presentes na reunião de despedida. E grande no poder de
aglutinação de união fraterna e coesão harmoniosa.
Qual seria então o
motivo? Por que essa andorinha
teria ficado sozinha na plenitude do inverno, no Brasil? Por quê? Realmente foi
difícil no momento entender o porquê da solidão.
Sentei-me na mureta da
entrada e fiquei a contemplar o sol que já ia se escondendo, pareceu-me que
também dando o seu adeus ao dia que fugia silenciosamente. Notei que a cada
momento, a noite se fazia mais densa, reduzindo minha capacidade visual.
O vulto persistia ali
imóvel. A andorinha solitária parecia triste, desolada, perdida, esquecida na
imensidão de seus pensamentos.
O que estaria a
imaginar? Acreditei que estava com
saudade de sua família!
Tive vontade de chegar
mais próximo e convidá-la a entrar e se agasalhar em minha garagem, já que o
cair da noite fazia descer a temperatura.
A distância era longa.
Mais de sete metros. Ali a olhá-la em pleno silêncio, não queria fazer nenhum
movimento brusco para que ela não fugisse, diante de um gesto mais bruto.
Veio-me novo pensamento.
Onde ela estaria morando? Talvez sob o telhado da minha casa ou de algum
vizinho?
Diante de tão variadas conjecturas, fiquei a
imaginar: - É possível que agora, já exista no Brasil, uma nova raça de
andorinhas, resistentes ao clima de inverno e capaz de suportar as quatro
estações. É bem possível que seja uma verdadeira trigênica, que algum cientista
geneticista tenha criado na solidão de algum laboratório sulino e lançado ao
espaço para constatar sua capacidade reprodutiva e sua resistência ao tempo.
Em verdade é complexo
entender, conhecer os motivos pelos quais a andorinha estava ali solitária!
Agora, sim, a noite era
a única habitante da amplidão sem luz. E dentro dela estava eu que praticamente
não mais definia o vulto da andorinha, ainda pousada no mesmo fio. De quando em
quando a identificava através do trinar melancólico e solitário, que contagiava
minha alma também solitária.
Ouvia um som leve, distante que ressoava com
pouca nitidez, apesar do nordestão ter amainado um pouco sua fúria desregrada.
Como já estava sentindo
muito frio. Mãos geladas. Extremidades do nariz ardendo. Visão quase nula. Meu
lindo objeto admirado não mais o via. Resolvi falar em voz alta.
- Minha amiga! Minha boa
vizinha por acaso você não quer entrar?
Revi um vulto que
parecia ter agitado as asas. Entendi...
Deveria estar aceitando meu convite. Ou talvez até dizendo:
- Eu já moro aí sob o
teto de sua casa.
Então falei de novo, em
voz mais carregada de decibéis.
- Vamos nos recolher que
já está na hora e o frio a cada momento aumenta.
Ouvi um trinado mais longo e um vulto
rodopiou mais baixo e ganhou o espaço, sob o telhado da minha casa.
Fiquei feliz e muito
emocionado que ela era minha inquilina, sem nada pagar e que na verdade estava
muito bem protegida do frio.
Também cruzei os umbrais
da porta da frente, um tanto mais satisfeito, fugindo da intensidade do frio do
inverno e conclui que a andorinha solitária em verdade reside comigo e como bem
diz a frase popular:
- Uma andorinha solitária não faz verão.
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