Ernesto Lentz Carvalho Monteiro
Regional MINAS GERAIS
Email: ernestolentzmonterio@gmail.com
Dois meses depois eu comprava alguma coisa em uma loja do Shopping, quando reconheci a irmã do paciente ao meu lado, sem se dar conta da minha presença, pois obviamente continuei incógnito. Era a mais insistente no hospital naqueles dias críticos, sempre “chic”e chata, embora não fosse feia. Imediatamente surgiu uma outra senhora, também muito “chic" e deu aquele escândalo: “Fulana, estava doida para te encontrar! Soube que o seu irmão esteve à morte! Que aconteceu?”. “Nem te conto”, respondeu ela, e contou com requintes dramáticos tudo que acontecera. “Não diga! Como não soube disso? Teria ido visitá-lo!. Qual foi o médico que o operou?”. Ainda feliz e orgulhoso com o brilhante resultado que obtivera, o que eu vinha contando para Deus e todo mundo, aguardei curioso a resposta. A “fulana” displicentemente respondeu: “Não sei o nome não. Foi um médico de plantão que estava lá na hora...”.
Email: ernestolentzmonterio@gmail.com
Cheguei correndo ao Hospital, subindo
os oito andares, como sempre pelas escadas, atendendo ao chamado de urgência.
Um montão de gente do lado de fora do bloco cirúrgico mostrava que o paciente
era gente importante. Passei desapercebido, paramentei-me e entrei na sala de
cirurgia, encontrando aquele corre-corre que sempre acontece nos casos
dramáticos.
O Joaquim, nosso talentoso
anestesista olhava apreensivo o monitor cardiográfico, enquanto o Alaor,
clínico de primeira, contava as gotinhas de urina que drenavam pela sonda.
Ambos desanimados deram-me os pormenores: 70 anos, obeso, hipertenso,
diabético, amante de uma pinguinha,
desfalecera durante uma festa familiar em que tocava o violão, seu inseparável
companheiro. Levado às pressas para o hospital constatou-se logo à chegada uma
parada da circulação da cintura para baixo.
E ali estava o meu desafio, às duas
da madruga depois de um dia que terminara à meia noite. Roxo e gelado da
cintura para baixo não tinha qualquer sinal circulatório, demonstrando uma
catástrofe vascular tipo um aneurisma dissecante da aorta ou uma trombose
maciça, com a iminência de choque, falência renal e outras tragédias que
acompanham esses casos. O que fazer àquela hora? Cateterismo, impossível em
hospital carente da infra estrutura necessária. Abrir o abdome, risco
proibitivo, sem saber o que encontrar e sem poder planejar. Deus me ajudou.
Quase intuitivamente explorei a
artéria femoral direita e, após a passagem do milagroso cateter de Fogarty,
retirei, para surpresa de todos, enorme trombo ainda fresco da artéria ilíaca
direita, o que permitiu que o sangue jorrasse abundantemente, provocando um
uníssono “oba!” de todos os circunstantes que torciam por uma solução milagrosa
e acabavam de ver a possibilidade de re-vascularização que ressuscitaria aquele
membro morto. Com o mesmo cateter retirei dali para baixo enorme quantidade de
trombos menores, desobstruindo todo o caminho do sangue para aquele lado.
Avidamente repeti o mesmo processo do lado esquerdo.
Surpresa decepcionante: para cima
tudo ocluido! O Fogarty não passava. Não titubeei. Nova luz veio lá de Cima!
Puxei uma prótese do lado direito para o esquerdo. É uma operação, apenas para
informar aos leigos, que se denomina “by-pass
fêmoro- femoral”. Nela, por meio de um tubo especial, a “prótese de dacron”, fazemos um desvio da circulação
de um lado para outro. Alegria efusiva de todos! A circulação voltou! Em poucas
horas o paciente urinava, comia e conversava, com seus membros inferiores
rosados e salvos, rodeado por uma legião de parentes e amigos. São os melhores
momentos de nossa profissão!
Dois meses depois eu comprava alguma coisa em uma loja do Shopping, quando reconheci a irmã do paciente ao meu lado, sem se dar conta da minha presença, pois obviamente continuei incógnito. Era a mais insistente no hospital naqueles dias críticos, sempre “chic”e chata, embora não fosse feia. Imediatamente surgiu uma outra senhora, também muito “chic" e deu aquele escândalo: “Fulana, estava doida para te encontrar! Soube que o seu irmão esteve à morte! Que aconteceu?”. “Nem te conto”, respondeu ela, e contou com requintes dramáticos tudo que acontecera. “Não diga! Como não soube disso? Teria ido visitá-lo!. Qual foi o médico que o operou?”. Ainda feliz e orgulhoso com o brilhante resultado que obtivera, o que eu vinha contando para Deus e todo mundo, aguardei curioso a resposta. A “fulana” displicentemente respondeu: “Não sei o nome não. Foi um médico de plantão que estava lá na hora...”.
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