03 julho, 2017

APRENDENDO A VER

Por:
Vilma Clóris de Carvalho
Regional PERNAMBUCO
E-mail vilmacloris@gmail.com










Ao abrir a porta deparei-me com Zefa, que trabalhou para mim como faxineira, por quatro anos. Abracei-a convidando-a para entrar.
            
Naquela época, tinha a cabeça cheia de sonhos: não queria passar a vida sendo doméstica, ia estudar para ser professora. Ganharia bom dinheiro, teria sua casa e seria respeitada pelos conhecidos.
            
Após um cafezinho, Zefa começou a contar sua história vivida desde que deixara de trabalhar em minha casa.
            
Morando com sua mãe num minúsculo casebre, nas proximidades de um barranco, procurou a escola mais perto para frequentar o curso noturno de alfabetização de adultos. Conseguiu quatro faxinas para fazer suas despesas, e foi vivendo, cansada e desanimada. Chegava, muitas vezes, atrasada para as aulas e os professores faltavam bastante. Estava nesta luta, há cinco semestres. Conhece as letras, assina seu nome e ler com muita dificuldade. O mesmo acontece com quase todos de sua turma. Aulas complicadas, com duração de trinta minutos ao fim dos quais entra outro professor, que falará sobre novo assunto, até que cinco aulas por noite sejam ministradas. Volta para casa confusa.
            
Zefa, você está envelhecida pela dureza da vida que tem enfrentado, mas tem pouca idade. É trabalhadora, honesta e conhece seu serviço. Precisa reformular sua vida.
           
Por onde começar? Ainda não contei o pior. As chuvas que caíram na cidade fizeram nosso casebre deslizar. Perdemos tudo. Saímos somente com a roupa do corpo.
Minha mãe, muito machucada, foi levada para um hospital onde faleceu. Pedi para ficar na casa de uma amiga, por uns dias. Não tenho mais sonhos. Só quero sobreviver.
            
Vamos pensar as duas. Precisa trabalhar em uma casa onde possa dormir e ter as noites livres para frequentar a escola. Não estou satisfeita com a faxineira que lhe substituiu. Venha para cá e eu lhe ajudarei.
           
Posso vir amanhã?

Terá que fazer uma boa limpeza no quartinho dos fundos. Lá será sua casa.
            
Deus lhe pague. Estarei aqui logo cedo, para lhe servir.
            
A visita de Zefa levou-me a pensar, de modo especial, no grande problema do analfabetismo no país. Foi um tema que sempre me preocupou. Vou tentar redigir um texto à respeito. Quem sabe conseguirei fazê-lo chegar até aos meios competentes, e assim, fazer alguma coisa pela educação.
            
Experiência e observação me levam a pensar por que alguns estudantes decifram determinados códigos de inteligência e se transformam em indivíduos empreendedores, capazes de debater ideias e construir e construir conhecimentos. Quantos, embora com excelentes notas escolares, não os decifram, têm visão limitada, repetem ideias.

Durante seis anos como estudante de medicina, trabalhei no período da noite, num serviço social cujo superintendente em Paulo Freire. Minha função era ministrar palestras para operários sobre temas referentes à saúde. Supervisionada por Dr. Paulo, conhecido por sua luta contra o analfabetismo, discutia com ele minha conduta e a reação dos ouvintes. Mudava muitas vezes a estratégia procurando adequá-la às circunstâncias. Absorvi do mestre, princípios importantes que me acompanharam por toda a carreira universitária e facilitaram minha vida. Destaco a percepção da necessidade de despertar o interesse do aprendiz e, levá-lo a sentir utilidade no que está aprendendo, aplicando a situações novas.

Ao longo do tempo fui percebendo que o básico do aprendizado deve ser processado antes e concomitante ao ensino fundamental: ensinar o indivíduo a observar, registrar o que vê e pensar no que foi visto. É preciso pensar e para pensar faz-se necessário perceber e sentir a realidade. É importante exercitar-se para tal. Situações são criadas: sua casa fica longe da escola? No trajeto tem árvores? Há crianças brincando na calçada? Qual a brincadeira que as divertem? Dificilmente alguém respondia, pois não prestavam atenção. Olhavam e não viam. Quando na universidade, criei outros tipos de exercício visando a forma de estudo dirigido, com a mesma finalidade. Indicava aos estudantes, capítulos de livros e distribuía cópias de separatas. Em anexo, os alunos recebiam folhas com uma série de perguntas. Destas, a maioria tinha resposta direta ou indireta no material distribuído, enquanto para as demais, se fazia necessário pensar, comparar, deduzir, induzir, concluir e tantas outras artimanhas que o cérebro pode fazer uso para obter respostas.

A toda hora nos surpreendemos com a capacidade do Homem moderno para resolver problemas que há alguns anos atrás não existiam. Ele não está recorrendo a estruturas novas, do ponto de vista genético, mas a capacidade para resolver novos e complexos aspectos é o resultado de uma vida em permanente desafio, exigindo uma interação cada vez mais diversificada, entre estruturas do cérebro, relacionadas ao aprendizado, e determinados ambientes nos quais se desenvolve o Homem atual.

O cérebro é um órgão muito mais plástico do que se imaginava e se modifica com as entradas sensoriais que vem do meio ambiente. É por causa desta contínua interação com o habitat que acontece o crescimento no Homo Sapiens.

A maneira como alguém percebe a realidade, vai influir na sua capacidade de pensar e aprender, perceber e expressar o que percebeu. Captando o que há no seu caminho, este fica outro e é percorrido de modo renovado. Com o exercício, o entendimento vai se ampliando e se torna cada vez mais fácil acompanhar as aulas e assimilar o conhecimento. O aluno vai ficando independente para aprender, ultrapassando a matéria que lhe é apresentada.

No mundo atual sobra pouco espaço para se registrar a realidade e pensar sobre ela, desenvolvendo a arte de vê-la com seus próprios olhos, base para qualquer aprendizado.

Dona Eremita, trouxe um suco de acerola. Escrevendo há tanto tempo deve estar cansada.


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