Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg
Alegoria da Primavera – Botticelli
Circulando pela Galeria “Degli Uffizi” em Florença,
fica-se extasiado ao contemplar a tela de Botticelli, “Alegoria da Primavera”,
pintada, em 1478, por encomenda de Lourenço, o Magnífico, para decorar a Villa
di Castello, residência de verão dos Médicis. Ao lado dessa maravilha da
arte renascentista, outra tela avassalante, “Nascimento de Vênus”, nos chama a
atenção.
Contemplando a primeira tela, identificamos
a “Primavera” cercada de alegorias tiradas da antiguidade: As Três Graças, Deus
Mercúrio e jovens simbolizando ninfas gregas, evocando um mundo clássico. Não
há nessa tela preocupação de reproduzir fielmente a anatomia das personagens. A
perspectiva desempenha papel secundário e a paisagem quase não existe. O
semblante da Primavera evoca misticismo. É uma jovem alta, esguia, loira, de
face macilenta, olhar distante e triste, como a descreveu Rosemberg. As
figuras são leves, suaves, quase imateriais com seus rostos sem sorrisos
e suas expressões contemplativas. Assim, são, também, todas as madonas
pintadas pelo artista.
É importante notar que esse gênio da pintura, Alessandro
Mariano di Vanni Felipepi (Alessandro Botticelli), procurou se
enquadrar no contexto da época em que viveu. Para a Igreja, cuja influência era
prevalente no século XV, a pintura representava instrumento de propagação da
fé. Essa concepção parece estar refletida na tela que estamos comentando.
A propósito, tentaremos uma digressão,
lembrando que Bouchardt,grande crítico de arte, valoriza a
descrição da obra levando em consideração o volume, proporção, movimento e o
jogo de luz e sombra. Pouco disso, na tela que analisamos. Ela se
aproxima muito mais dos conceitos de Merleau Ponty, outro
grande crítico, de que menos interessa o tempo e suas imagens do que a
subjetividade e o sentimento do pintor.
Nesse particular, há um interessante aspecto a ser
considerado, que foi abordado por José Rosemberg no seu estudo “A
tuberculose, seu romantismo e aculturação”.
A modelo que Botticelli usou,
chamava-se Simoneta Vespucci e, segundo suas biografias, ela
se tratava com os especialistas da tísica “Fisici del Ético”.
Simoneta morreu tuberculosa aos 23 anos de idade. Ninguém melhor do que ela para
expressar, na tela de Botticelli, a dor, a resignação e, paradoxamente, a fé em
uma primavera longínqua que ela contempla com seu olhar distante.
Observação: As três Graças do quadro “Alegoria da Primavera” foram,
ulteriormente, configuradas quase da mesma forma nas telas de Raphael e
Rubens.
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