30 abril, 2017

AUTOAJUDA

Por:
Carlos Homero Giacomini
Regional PARANÁ
E-mail: chgiacomini@uol.com.br












Desesperado  analisei a possibilidade de simplesmente levantar-me e sair correndo, mas não tinha forças.  Pensei em drogas que desligassem meus pensamentos, mas sem os médicos não as teria. Quis arrancar aquela agulha do braço, jogar longe a máscara de ar, me debater, agitar, mas faltou coragem.
           
Ah, se eu pudesse sair de mim!  Até mesmo morrer para não enfrentar aquele pavor, não sentir aquele pânico, tanto sofrimento mental.

Deitei de lado, me encolhi como um feto,  pensei que precisava de mãe. Lembrei-me da constatação do psicanalista do passado: “Você não teve uma boa mãe”. E naquelas circunstâncias, que consolo eu poderia encontrar?

Estava ali naquela enfermaria, mais um abatido pela doença, com medo, muito medo.

Esgotado, aconcheguei-me a mim mesmo, me encolhi mais e mais. Sonhando que flutuava suavemente sentei-me ao lado da cama e fiquei olhando para mim. Então, o doente que era eu foi se vestindo de azul, forte e translúcido como o manto da santa cujo nome não lembrei, espalhando-se como um bálsamo universal.
           
Agora, estava mergulhado naquele azul, que não me limitava, não me isolava,  não me separava do que existia para além do meu corpo, diluía-me àquele quarto e ao que mais houvesse para além dele; invadia o espaço entre meus dedos, esparramava-se entre meu corpo e a cama, enchia minhas narinas e pulmões. Tive a certeza de que aquele solvente cósmico me amparava e que sempre andara por ali à espreita de um chamado qualquer para se manifestar.
           
De onde estava meus olhos procuraram meus olhos, janelas do meu espírito e mente. E pedi que ouvissem, a mim, tudo que eu era com tudo que abrangia ser. Disse-lhes que os autorizava a ficarem em paz, a livrarem-se da ansiedade de resolver, a resignarem-se diante da não solução; não precisavam ter medo, nós, de tão juntos que estávamos, éramos um só: corpo, alma, espírito, mente, coração. 
           
Então, brilhante, de um brilho intenso, o azul começou a desligar os comandos de dor, afrouxou o nó apertado do peito e, chegando bem pertinho do coração, encostou-se a ele para sentir como se acalmava e batia menos e já não descompassava.
           
Unidos e dispostos, nos lançamos ao afago de cada célula daquele corpo, na solidária missão do “eu passeando por mim”. Quem, viajante, tomou a dianteira, foi um homenzinho simpático de uns cinquenta anos, gordinho, grisalho e barbudo, determinado e cheio de planos. Era tanta coisa para ver, tantos lugares aonde ir e com quem conversar.
           
Nos pulmões ficou pasmo em ver como trabalhavam por ali. Varredores incansáveis removiam um muco espesso que impedia a respiração, alvéolos mesmo exaustos não reduziam o ritmo carregando o oxigênio vital. Indo e vindo sem parar, glóbulos brancos exerciam mil funções, decifrando agentes agressores e orientando o preparo de corajosos soldadinhos do bem que se atracavam com qualquer forasteiro hostil. Por todo o corpo encontrou tantos e tão variados trabalhadores que pôde apenas confiar.
           
Abraçou todos eles, agradeceu o esforço de cada um e garantiu que, acontecesse o que acontecesse, eram todos fantásticos cumpridores do mistério da vida; conhecidos, sem nenhuma exceção, pelo Absoluto, que a cada um queria bem, e que a cada um incluía no Todo, o Universo Cósmico, eterna morada.
           
Da beira do leito observei a enfermaria toda. Em cada cama um mistério. Seres absolutamente solitários numa mesma travessia. Não nos pertencíamos, não poderíamos ir uns com os outros aonde quer que tivéssemos de ir, mas era bom ver as silhuetas de cada um dos companheiros de jornada, saber que eles também estavam lá, flutuando naquele mar revolto.
           
Num barco seguro, eu navego. Em rota traçada me movo, adiante, um porto me espera. Eu escolhi meu barco, janelas azuis, anzóis. Imenso é o céu que dele se vê.   

Náufrago, navego também. Em busca de um lugar qualquer, de terra sob os meus pés. Uma balsa frágil mantém-me à tona. Estrado e lona afastam a morte e busco enxergar o que me faz crer.



29 abril, 2017

NOSSA RAÇA BRASILEIRA

Por:
Sérgio Martins Pandolfo
Regional PARÁ
(In memoriam)










“E entre gente remota edificaram, Novo Reino, que tanto sublimaram”.
Camões, Os Lusíadas, canto I.

Como tão bem cantou Wilson Simonal, somos “um país tropical/abençoado por Deus/e bonito por natureza”. E todo este imenso território, com nada menos que 8.547.403 km², que recebe insolação intensa e ininterrupta o ano inteiro conta, por isso, com um potencial agricultável e de energia solar, imponderável. Riquezas minerais são fartas e multiformes e nosso manancial hídrico, coisa preciosa hoje, é o mais avolumado do mundo. Temos o maior e mais caudaloso rio – água doce, bebível! – do planeta, com reserva piscosa insuperável. Mas o que temos de melhor, de mais precioso, o acervo mais valioso deste prodigioso País, é o nosso povo.

Os médicos sabemos bem, das leis da genética, que quando se deseja melhorar as qualidades de uma determinada espécie (animal ou vegetal) há mister introduzir um ou mais elementos rácicos compatíveis, a fim de vigorizar aquela que, restrita a cruzamentos subsecutivos homorraciais por longo tempo, se vai gradativamente enfraquecendo, degradando, estiolando.

Tais conhecimentos científicos têm sido utilizados, por exemplo, na melhoria ou aprimoramento de rebanhos bovinos, plantel cavalar, produtos agrícolas (frutíferas, leguminosas, gramíneas) e até na obtenção de raças animais planejadas para este ou aquele fim, como é exemplar a canina Dobermann.

Nosso povo já foi original e naturalmente privilegiado e vem sendo progressivamente aprimorado há, ao menos, 500 anos, pelo caldeamento de três raças excepcionalmente bem dotadas, com características próprias salientes, que se aglutinaram e consolidaram. A raça branca, representada pelos europeus - portugueses, mormente, que para cá vieram à época do descobrimento e da colonização, mas também franceses, holandeses, ingleses, italianos, alemães - e que era, na oportunidade, o que havia de mais avançado em termos de civilização. A negra que, bem o sabemos, apresenta nítida superioridade na estruturação físico-corpórea e energética, com maior resistência às inclemências naturais e a muitas enfermidades, sendo mesmo imune a alguma delas. Superior resistência física e aptidão para tarefas mais árduas que nos têm garantido sucesso e até mesmo hegemonia em várias modalidades desportivas. Demais disso, a dor do negro desterrado, a gerar o banzo e a espicaçar a “malemolência” - de que nos fala o grande Ari Barroso, em sua “Aquarela do Brasil” -, explica a musicalidade que impregna nossas canções e o decantado “jogo de cintura” do povo brasileiro. Muitos dos negros escravos que para aqui vieram já constituíam, é bom de ver, produto de miscigenação com os árabes do norte da África, como os Fulas e os Hauças. A amarela, ou mongólica, representada pelos aborígines ameríndios que habitavam todas as latitudes das Américas, sendo, assim, da mesma origem dos japoneses, chineses e outros povos asiáticos, por isso que intelectualmente a eles equiparáveis, constituída pelas diversas tribos indígenas que aqui existiam. Bravura, altivez e resolutividade, rusticidade e destemor, mesclados, paradoxalmente, à acessibilidade natural e grande habilidade manual, são características reconhecidas em nossos ancestrais silvícolas. O caldeamento com o branco processou-se farto e consentido, diria melhor, amparado, incentivado, induzido, fazendo-a integrar a raça nacional.

Do entrecruzamento intenso e continuado resultou esta que é uma gente excepcionalmente bem conformada, privilegiadamente dotada em todos os aspectos: intelectual, físico-corpóreo e psicológico, potencialidades que deram por resultado um povo trabalhador, criativo, pacifista, amistoso, solidário, produtivo, ufano de seus valores e de seu porvir, sobremaneira irmanado, sem os laivos de preconceitos e racismos polimorfos, como observável na maioria dos países, em que as etnias que lá convivem quando muito se aturam, mas não se misturam – às vezes trituram-se.


Provavelmente somos o único país do mundo em que o cruzamento do branco com o negro e o índio foi intenso, consentido e permanente, resultando na formação de uma verdadeira raça, que dia a dia evolui, aprimora-se, consolida-se. Daí porque já se disse - e é fato incontestável: “O mestiço brasileiro é o puro-sangue nacional”. 


27 abril, 2017

QUARTO 33


Por:
Hermes Marcondes Lourenço
Regional MINAS GERAIS











Desde pequeno me esforcei para ser um astronauta e ir trabalhar na NASA. Era motivo de riso de meus colegas, que sempre diziam que eu era louco e Nerd.

Eles estavam certos. Sonhos se desfazem no meio do caminho e as vezes tento medir o que nos resta quando nossas maiores aspirações são desfeitas. Medo, insegurança. Talvez... Eu prefiro denominar esse sentimento de frustração.

Hoje faço 35 anos e é meu aniversário. Não é um dia de comemoração ou de festividades, não para alguém que teve seu maior sonho destruído. Olho ao redor, e vejo apenas pedaços desfeitos de meu maior desejo.  Restaram foguetes que nunca alçaram voos e projetos meticulosos que ficaram apenas no papel. Ah! Se a Nasa os visse! Tenho certeza que já teríamos pisado em Marte ou quem sabe descoberto o verdadeiro segredo que se esconde por traz dos “buracos de minhoca”. Não posso reclamar, por outro lado fui recompensado com meus amigos verdadeiros que se fazem presentes. No meu caso, Cintia e Marcelo.

Sim, eles são as únicas pessoas que não deixaram que meu aniversário caísse no esquecimento, e estão aqui, arrumando os doces e pregando os balões no teto e preparando a mesa com meu bolo em formato de foguete.

Cintia é uma bela amiga. Já tive um caso com ela. — Mas isso fica entre nós —, e Marcelo eu tenho quase certeza de que ele é gay. Não que eu seja preconceituoso. Pelo contrário. Respeito cada um em sua individualidade. Mas eles são meus amigos e amigo de verdade nunca te abandonam e a amizade sempre perdura, desde a infância.

Desfiz o namoro com a Cintia por que percebemos que nossa relação parecia que ela tinha amor de mãe, mas o grande problema é quando o relacionamento se torna intenso, e as mulheres gostam de dar palpite. Sempre acreditei que no relacionamento perfeito os limites individuais são respeitados, que em outras palavras “cada um no seu quadrado”, e por isso optei em permanecer apenas com meus projetos. Imagine só, Cintia querendo dar palpite nos projetos de meus foguetes. Por isso optamos em manter a amizade.

Marcelo é graduado em engenharia aeroespacial. Quando ele entrou na faculdade, ele sempre me dizia que eu devia estar em seu lugar. Nisso ele tinha razão. Sei que ele ainda permanece meu amigo devido a termos crescidos juntos, mas na verdade houve uma época que achava que ele roubava meus projetos — e ainda acho.

Ele é uma boa pessoa. Seria meu lado bem-sucedido. Trabalha na NASA e conseguiu chegar onde eu nunca cheguei. Não tenho inveja dele não. Pelo contrário, as vezes acho que ele não seja tão bom no que faz, porque se fosse, não ficaria interessado em meus projetos.

Mas ele é uma pessoa bacana, e nunca me abandonou.

Eles são o que restou de minha família.

Meus pais morreram cedo, quando eu ainda era criança e essa é a maior razão de meu fracasso nesta vida, pois quando temos pais que nos apoiam, até o universo é pequeno.

Como disse hoje completo 35 anos. Sim, 35 anos longe das estrelas... Apenas olhar para elas e ver a lua foi o mais próximo que estive do espaço.

Meus convidados chegaram, todos vestidos a rigor.

Me deram uma bebida, balas e de repente, o mundo tornou-se uma espaçonave.

Sim, eu conseguia voar, e tocar a estrelas. Eu tinha a minha própria espaçonave.
Vi os anéis de saturno, o sol que em sua mestria iluminava nosso sistema.

Até que por fim não acreditava. O “buraco de minhoca”. Lá estava ele, bem diante de meus olhos e sem hesitar, saltei para dentro dele.

— Dr. Luiz Otávio, o que ele têm?

— Esquizofrenia e depressão psicótica. Ele têm alucinações com a mãe Cintia que se suicidou após manter relação afetiva com ele. O pior é que ele considera o pai, como se fosse um amigo gay e não o reconhece.  A eletroconvulsivoterapia é uma tentativa de trazê-lo a realidade.

— Professor, ele já recebeu duas descargas elétricas na cabeça. Isso não é perigoso?

— O velho docente riu. Não. Hoje os pacientes são sedados antes do procedimento. Por isso temos o anestesista presente. Essa prática já uma rotina e segura. Não tem nada a ver com cadeiras elétricas dos sentenciados a morte. Espere... Meu Deus! — Gritou o docente enquanto o paciente se contorcia em múltiplos espasmos e um filete de sangue espesso escorria pelas orelhas e manchava o lençol branco, junto ao cheiro de queimado.

Levantou os cabelos longos do pobre moribundo, inconsciente enquanto o anestesista lutava pela vida em uma reanimação malsucedida.


Foi então que o monitor cardíaco se tornou uma linha reta, anunciando o final da viagem para o paciente do quarto 33, enquanto o docente lembrou-se com tristeza e pesar que o pobre paciente usava aparelho auditivo por uma deficiência congênita na qual a equipe havia se esquecido de retirar, ficando camuflada pelos longos cabelos e barba de alguém que um dia sonhou em ser astronauta.



26 abril, 2017

OS FANTÁSTICOS LIVROS VOADORES DO SR.MORRIS LESSMORE


Filme vencedor do Oscar de Animação de 2012

O filme “Os fantásticos livros voadores do Sr. Morris Lessmore” foi contemplado com Oscar de melhor curta-metragem de animação em 2012. Willian Joyce e Brandon Oldenburg, ambos americanos, são os diretores do filme e confessam que a obra foi inspirada no ator e diretor Buster Keaton, em algumas cenas do filme “O mágico de Oz”, e também, no furacão Katrina que devastou Nova Orleans em 2005.
            Lessmore está sentado na varanda de sua casa, escrevendo um livro. Quando, de repente um vento muito forte leva-o juntamente com toda a cidade para um lugar extremamente diferente, com uma mulher suspensa no ar por livros voadores. A cena inusitada deixa o homem embaraçado. É então, que um livro voa na direção de Lessmore e o conduz até uma biblioteca repleta de livros com vida.
          O protagonista passa a cuidar desta misteriosa casa e das obras que ela contém. As pessoas que passam por lá são contagiadas pela magia das histórias. Lessmore que encontra um mundo perfeito vai vivendo a emoção e a pureza de seus novos amigos, enquanto termina sua própria biografia.
            O filme relata de forma leve e emocionante a história de pessoas que são apaixonadas por livros, e o poder curativo que essas obras possuem, podendo transformar a vida de seres humanos. Mostrando que de certa forma, tudo fica mais colorido e bonito com as palavras.
          Enquanto assistimos, podemos viajar por outras dimensões, por outro mundo. De sonhos, de fantasias e da mágica presente nessa grande invenção humana. É algo que nos leva para outras realidades e que nos remete à uma reflexão sobre o que é ser leitor. De forma dinâmica é capaz de instigar os mais diferentes públicos. 
(Resenha de Ana Elizabeth Fornara)
Assista ao vídeo 

25 abril, 2017

CORA E O TEMPO

Por:
Jaqueline Doring Rodrigues
Regional PARANÁ
Email: jaquelinedoring@gmail.com
















Estava a caminhar nos corredores do Hospital Oncológico Erasto Gaertner em Curitiba, e entre examinar um paciente e outro, tentava escolher um poeta para o tema do próximo encontro das segundas terças do mês. Difícil não ser atingida pelos mais diversos olhares perdidos e desistidos nos corredores do hospital. Impossível não ser dominada pelo tocar profundo de quem pede para apenas não sentir dor e ter um pouco mais de tempo. A doença corrói nossas entranhas, digere nossa dignidade e afunda-nos num estado mundano precário quando estamos presos ao corpo que nos comporta. Dilacera as almas. Perdem-se as identidades.

De fato, na nossa sociedade ocidental é quase um tabu falar a respeito da morte. Como se ao tentarmos entendê-la, respeitá-la, sem temê-la, estivéssemos sendo ingratos com a vida que temos. E não. Na tentativa de compreender a morte, entramos em íntimo contato com nosso ser e as descobertas são infindas. O que fizemos na nossa vida nos faz ser quem somos quando morremos. E tudo, absolutamente tudo, conta.

Somos facilmente vulneráveis a sentimentos como raiva, inveja, vaidade, tristeza, luxúria... e o destino são as guerras, sejam civis, sejam internas. E neste anseio de sobreviver, apostamos nosso mais precioso bem, o tempo, com planejamentos desde muito cedo e esquecimentos até muito tarde. Mas não para o poeta. Aquele que desperta e se questiona, que se engaja na busca do sentido da vida. E nessa busca encontra "o tempo". Que continua a passar, na dor, na alegria, no desespero, na calmaria. E que bom que tudo passa. À benção as rugas que mostram as curvas do tempo.

Dessa forma, neste encontro mensal da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional do Paraná, trouxemos a proposta de celebrar a vida, o tempo, a dor e a morte. Esse ciclo que nos acompanha e negligenciamos com medo do desconhecido. Quem sabe mais da dor que cala do que o
poeta? Quem sabe mais da dor de poeta do que aquele que viveu por quase um século e atravessou duas eras tão distintas? Dedicamos este dia à poetiza quase centenária da história do Brasil, Cora Coralina, que faleceu aos 95 anos ( 20/08/1889 - 10/04/1985) na sua terra natal, Goiás.

Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, adotou o pseudônimo de Cora Coralina aos 14 anos, mas não o tornou público. Ao completar 50 anos a poetisa passou por uma marcante transformação interior, a qual mais tarde chamou de "a perda do medo". Naquele momento, assumiu o pseudônimo que
escolhera para si muitos anos atrás.

A Perda do Medo. É a mensagem de Cora Coralina para nós. Ela teve a maioria de suas obras publicadas após os 70 anos, sendo a prova de que não existe idade para o sucesso. Adotemos pseudônimos e esqueçamos do tempo. Como ela mesma escreveu, de hoje em diante levaremos apenas o que couber no bolso e no coração.

CORA E O TEMPO

Cora, filha de Goiás
Quando pequena já era gigante
cansava com suas perguntas
era Cora, a menina falante
daquelas terras robustas.

De longe sabiam ser ela
o retrato feito do seu falecido pai
cabisbaixa quando os olhares nela
e se ao céu a mirar, cai.

Após 45 anos, retorna a Goiás
Resolve ser doceira e publicar
Vinham todos a velha casa dos seus pais
comprar um doce e um exemplar.

Viveu sua vida como bem queria
sem limitações após a viuvez
essa maturidade certeira
fez dela a moça nonagenária da vez.

E assim, inspira-nos, os leitores
a olhar acima mesmo que ainda a temer
com seus doces, seus escritos e seus amores
descobriu a arte de viver e escrever.



23 abril, 2017

O BEM-TE-VI

Por:
Ernane Nelson Antunes Gusmão
Regional BAHIA











A suavidade anil do morno leito
se abre para o azul do nosso amor
e me recebe, inteiro, quando deito
ao lado do teu corpo e teu calor.

Nos enroscamos... beijos cobrem o peito,
eu me derramo sobre o teu pudor;
as mil carícias de tua mão afeito,
deixo me levem, para onde for.

Nós nos julgamos longe dos olhares
das águas, terra, e também dos ares,
... mas eis que a ave bem de nós sorri

Espreita entre amêndoas o rameiro,
estica os olhos, bico fofoqueiro,
pela janela grita: - Bem-te-vi!...




SOBRAMES - 52 ANOS


Hoje comemoramos o aniversário de 52 anos da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES.

Fundada por Eurico Branco Ribeiro, a SOBRAMES caminha honrando a iniciativa vanguardista e empreendedora do ilustre médico paranaense.

A todos os membros da querida confraria, nossos parabéns pela coragem de ousar e heroica perseverança nos caminhos da literatura.

Salve a SOBRAMES!

Josyanne Rita de Arruda Franco
Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES.

21 abril, 2017

SOBRE A AGROPECUÁRIA ALAGOANA

Por:
José Geraldo Vergetti de Siqueira
Regional ALAGOAS












Maceió, 28 de Outubro de 2013

Conheci José Ricardo há pelo menos meio século. Mantivemos sempre uma excelente relação de respeito e admiração. Comerciante cativante e um pródigo homem de negócios. As vezes imagino que não existe nenhuma casa, prédio, hospital que não possua um registro da Cristal Vidros. Marca registrada do comércio na sua especialidade. Nossas famílias sempre foram interligadas pela alegria natural da juventude e continuam na admiração recíproca, e especialmente pela vocação cristã que adornam seus profundos sentimentos religiosos.

Fiz visitas cordiais ao Ricardo em seu escritório na Cristal Vidros.  Ao cumprimentar-me levava o interfone ao ouvido e solicitava um café capuccino para eu degustar. Os assuntos mais diversos tinham a colaboração pedagógica da prática de vida e assim decorríamos sobre tudo, inclusive sobre agropecuária cujo conhecimento era do seu domínio. Exemplo de agropecuarista e produtor que transformou o campo em jardins e ornamentou parte da rodovia em preciosas flores.

Não era filho de União dos Palmares. Adotou a cidade e foi lá que viveu seus mais encantadores sentimentos da existência humana. Conviveu com a cultura cabocla. Absorveu a religiosidade do povo e fez peregrinação ao Juazeiro do Norte conduzido pela fé e robustecido pela espiritualidade concentrada naqueles momentos.

Fomos vizinhos no famoso e histórico vale do Sueca. Enfrentamos péssimas estradas de barro vermelho. Ele com a fazenda São Geraldo com baixadas repletas de Braquiárias (tender-glass) e eu na fazenda Sueca. Diversas vezes Ricardo com seus familiares foram visitados. Adorava saborear um sarapatel com uma cerveja gelada.

Nossa produção de bezerro nelore só tinha um destino: Fazenda São Geraldo. Além de negociar meus animais, restava-me vê-lo semanalmente na beira da estrada em regime de crescimento e engorda.

E agora José? Quantos fornecedores de bezerros, Emílio Maia, irmãos Barros Correia, Vinícius Cansanção, Jaime Vergetti, dentre tantos outros numa irmandade negocial onde não era só o negócio que funcionava e sim um sentimento inter humano que prevalecia a cordialidade que era irmã gêmea da confiança.

Será que o desaparecimento do nosso exemplar agropecuarista não irá ter repercussões nos negócios da pecuária alagoana?

Em verdade todos nós ficamos desconsolados com a ausência do Ricardo. Resta-me reforçar com toda família o grau de amizade que alimentamos por todos esses anos e em meu nome, e dos meus irmãos Lindolfo, George, Afrânio, Zé Vergetti e Jaime e Memé e de Aleir e meus filhos Luzirene, Jaqueline, Vega e Geraldinho e dos meus genros Fábio e Junior, nossas divinas e sacrossantas orações.



20 abril, 2017

DE RECIFE PARA JUNDIAÍ


Dr. Luiz Barreto, presidente durante a gestão 2015-2016, despede-se da bandeira da SOBRAMES, símbolo visual representativo desta amada entidade literária, que agora deixa Recife, em Pernambuco  com destino a Jundiaí, em São Paulo, onde permanecerá sob cuidados da atual presidente, Dra. Josyanne Franco, durante o biênio 2017-2018. 
Um momento inesquecível que merece o registro!
(A foto foi feita hoje (20.04.2017) na agência dos correios de Recife) 

19 abril, 2017

A ROSA DO CAMPO

Por:
Arary da Cruz Tiriba
Regional SÃO PAULO
E-mail: atiriba@terra.com.br











São Paulo, abril de 19..
Querida Menny Notta:

FAZES PARTE da família brasileira típica. Pais e irmãos vivem da terra. Robustos, nutridos pelo arroz, feijão, mandioca, ovos de galinha, camarão do rio, banha e carne de porco, além da laranja, banana e abacate, frutas que abundam no pomar. A compleição física não impediu que os três manos, valorosos moços do campo, adoecessem simultaneamente; foste poupada, por graça divina. Eu, mais o Dr. Jolí, assistimo-los na Enfermaria, durante essa estranha peste dos lavradores; felizmente nenhum deles morreu e aí estão, devolvidos à aldeia. Daí a nossa visita, aos teus pagos, à beira-rio, ao Catas Altas do Vale  do Ribeira. Para desvendar enigmas da doença... Foi assim que nos conhecemos. Eu, um caçador de epidemias, o jovem médico meu discípulo - o Dr. Jolí -, e, tu, aos 11 anos, toda meninice! A fotografia que fiz de ti - a que ora te envio -, à margem do Catas Altas, é expressiva. Fizeste bem em correr para vestir o teu longuinho, para posar - só vaidade e felicidade! -, no teu porto fluvial. Ficaste muito, mas muito bonitinha!
beijo para Menny Notta,
do amigo Doutor Perí.

***
Catas Altas, maio de 19..
Prezado amigo Perí

OLHA DOUTOR PERÍ peço muitas desculpas por não ter dito ao Senhor nem muito obrigado de ter dado os livros e as outras coisas que o Senhor me deu.  Olha doutor Perí eu gosto muito do Senhor e de todos aí. Olha doutor Perí eu nunca até agora não achei um moço bonito como o doutor Jolí. Olha não sei se ele é moço ou é casado mais acho que se ele é casado a mulher dele não vai achar ruim comigo porque sou apenas uma criança. Mando também muitos abraços e beijos a todos principalmente ao Senhor e o doutor Jolí que eu gosto muito. Aqui vai uma rosa, para o doutor Jolí. Desculpe de ser uma rosinha feia mais é com muito carinho.

Doutor Perí dê o meu endereço ao doutor Jolí se ele quiser escrever pra mim.
Tchau Tchau, de sua amiga
Menny Notta.

***
São Paulo, junho de 19..
Querida Menny Notta

QUANDO SUBO o Catas Altas, o Betari, o Iporanga, o Ribeira, converso com pedras. Que têm vida, não duvides. Que são hábeis para comunicar é, também, verdadeiro. Assim, como incorrigível mortal que se deixa atrair pela formosura, nas pausas de minhas pesquisas sobre doenças, ergo, do leito do rio, pedras que possuam fascínios: revestimento de mantos, composição de cores, cintilação de cristais, cuidados de polimento, capricho de formas, qualidades que só o toque das águas naturais consegue esculpir. Não as coleciono, pois devolvo-as à corrente - a que não submete -, que pode conduzi-las um dia ao mar aberto...

Durante andanças pelo Vale do Ribeira, Menny Notta, tenho experimentado emoções muitas. E evocações incomuns! Histórias que contar-te-ei um dia... Narro-te o mais recente episódio que já integra o meu arquivo de memória. Juro-te, aconteceu.

SENTADO, RECOSTAVA-ME à árvore, para traduzir o vozerio das trêfegas águas a saltar rochas. Relaxava o corpo cansado quando espiei por um oco da folhagem. Descobri! o quê?... Observei, sem ser visto - à distância de metros -, um velho Mago de alvas barbas e cabeleira. A meditação do ancião foi interrompida pela menina, de longa e diáfana veste branca. Imagem: a do anjo! Beijou com doçura a face do velho. Depositou-lhe entre as mãos enrugadas uma rosa feia e desapareceu, tão inesperadamente como surgira.

Assisti e ouvi com espanto à conversa que se seguiu. Do velho com a rosa! Não te dizia, Menny Notta, que pedras falam? quanto mais rosas!!! que perfumam, encantam e revelam amores... "Que sucede?" perguntou o velho à rosa, "se teus folíolos - rubor instável a alternar com o pálido -, refletem tua intranquilidade?" "Amigo", respondeu a rosa, "se assim me vês inquieta, é porque não consigo esquecer sonho. Sonhei, eu, simples rosa, que me debruçava à fonte, ao lado de fidalgo e aromático vegetal como jamais vira neste Vale. Suas pétalas eram finas e brancas como o lírio e à sua cabeça pousava nobre coroa dourada. Parecia um príncipe, um ser divinal!... Perdoa-me, Mago, o sonho semelhou tanta realidade que me inebria e atormenta. Como gostaria de tornar à quimera!..."

"Querida," disse afetuosamente o Velho, "tua descrição corresponde à flor que não pertence à nossa flora. Tem origem em apurada estirpe do Velho Continente, da borda do Mediterrâneo." E continuou: "Formosas, somente formosas, como tu, apaixonam-se pelo possuidor desse magnetismo. Narciso¹, minha cara, é seu nome." Por instante a rosa enrubesceu. E emudeceu. E, prosseguindo, o Sábio: "Teu sonho caracteriza teu ser sensível. Contempla ao teu redor: por que brotam, despretensiosas, as flores que te cercam? Simplesmente, porque o amor, que ora se revela para ti, é onipresente. Como o pólen, se derrama pela natureza..." E terminou, sentenciando: "recuperarás teus matizados, encarnados e purpúreos, de tintes essenciais à policromia do nascente. Pertences a este Vale. Entre seus dois crepúsculos, és o do amanhecer."

MENNY NOTTA, a esse ponto despertei com estremecimento. Caíra-me sobre o coração uma rosa-do-campo. Soprava forte brisa. Éolo², fora, certamente, o carregador da flor. Procurei outra vez pelo Velho. Não mais o vi. Acolhi a rosa com cuidado para preservar, uma a uma, suas pétalas. Admirei-lhe a beleza e a simplicidade.

E, eu, que falo às pedras, por que não diria à rosa-do-campo? "Minha querida, transmitirei tua mensagem. O Cefiso³ que ronda por esse rio correntoso me transportará até o esbelto Narciso; entregar-lhe-ei a rosa-do-campo que não é nada feia; nem um pouco! ao contrário, a mais graciosa! Além de seu colorido e fragrância, é capaz de emitir vibrações do mais puro amor, a desfazer distâncias, unindo o Vale ao jardim mais longínquo."

Menny Notta, recebi tua carta. Desejo muitas outras. Não te acanhes, pois que escreverás melhor que eu. Apenas ponho a idéia no papel, enquanto, tu, imprimes a alma, o que é expontâneo, difícil, sem distorção! Que permaneças criança por muito, muito tempo. Alegre e pura. Igual ao esquilo serelepe do teu SÍTIO NOTTA. Transparente, cristalina, como as águas do Betari. Nativa, a rosa-do-campo própria.

teu amigo, Dr. Perí
_________________________________

¹ Narciso, belo e gracioso, teria longa vida, "desde que não se conhecesse nunca".
² Éolo, rei dos ventos.
³ Cefiso, deus fluvial.


15 abril, 2017

DES(A)TINO DE MULHER

Por:
João Baptista Alencastro
Regional GOIÁS
E-mail: jbalencastro@uol.com.br







A primeira vez que eu o vi sabia que seria meu
Seus olhos, seus gestos, seu sorriso, tudo combinava

Quando nos beijamos senti aquele frisson espinhal
E já naquele momento eu o amava

Amava como uma mulher ama: cheia de sonhos
Vi nossa casa, nossos filhos, nosso destino juntos

E quando gentilmente ele abriu a porta para mim
E eu entrei na sua casa, decidi nunca mais sair de sua vida

E – lógico - quando nos amamos sem limites
Percebi que ele não poderia ser de mais ninguém

E o deixei livre, leve e solto para escolher
E sua decisão foi minha também, apenas isso

E agora que o tempo passou, não arrependo de nada
Só penso que deveria tê-lo conhecido mais cedo

Pois me incomoda saber que um dia 
Alguma outra mulher teve a chance de amá-lo


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