Carlos Homero Giacomini
Desesperado analisei
a possibilidade de simplesmente levantar-me e sair correndo, mas não tinha
forças. Pensei em drogas que desligassem
meus pensamentos, mas sem os médicos não as teria. Quis arrancar aquela agulha
do braço, jogar longe a máscara de ar, me debater, agitar, mas faltou coragem.
Ah, se eu pudesse sair de mim! Até mesmo morrer para não enfrentar aquele
pavor, não sentir aquele pânico, tanto sofrimento mental.
Deitei de lado, me encolhi como um feto, pensei que precisava de mãe. Lembrei-me da
constatação do psicanalista do passado: “Você não teve uma boa mãe”. E naquelas
circunstâncias, que consolo eu poderia encontrar?
Estava ali naquela enfermaria, mais um abatido pela doença,
com medo, muito medo.
Esgotado, aconcheguei-me a mim mesmo, me encolhi mais e mais.
Sonhando que flutuava suavemente sentei-me ao lado da cama e fiquei olhando
para mim. Então, o doente que era eu foi se vestindo de azul, forte e
translúcido como o manto da santa cujo nome não lembrei, espalhando-se como um
bálsamo universal.
Agora, estava mergulhado naquele azul, que não me limitava,
não me isolava, não me separava do que
existia para além do meu corpo, diluía-me àquele quarto e ao que mais houvesse para além dele;
invadia o espaço entre meus dedos, esparramava-se entre meu corpo e a cama,
enchia minhas narinas e pulmões. Tive a certeza de que aquele solvente cósmico
me amparava e que sempre andara por ali à espreita de um chamado qualquer para
se manifestar.
De onde estava meus olhos procuraram meus olhos, janelas do
meu espírito e mente. E pedi que ouvissem, a mim, tudo que eu era com tudo que abrangia
ser. Disse-lhes que os autorizava a ficarem em paz, a livrarem-se da ansiedade
de resolver, a resignarem-se diante da não solução; não precisavam ter medo,
nós, de tão juntos que estávamos, éramos um só: corpo, alma, espírito, mente,
coração.
Então, brilhante, de um brilho intenso, o azul começou a
desligar os comandos de dor, afrouxou o nó apertado do peito e, chegando bem
pertinho do coração, encostou-se a ele para sentir como se acalmava e batia
menos e já não descompassava.
Unidos e dispostos, nos lançamos ao afago de cada célula
daquele corpo, na solidária missão do “eu passeando por mim”. Quem, viajante,
tomou a dianteira, foi um homenzinho simpático de uns cinquenta anos, gordinho,
grisalho e barbudo, determinado e cheio de planos. Era tanta coisa para ver,
tantos lugares aonde ir e com quem conversar.
Nos pulmões ficou pasmo em ver como trabalhavam por ali. Varredores
incansáveis removiam um muco espesso que impedia a respiração, alvéolos mesmo exaustos
não reduziam o ritmo carregando o oxigênio vital. Indo e vindo sem parar,
glóbulos brancos exerciam mil funções, decifrando agentes agressores e orientando
o preparo de corajosos soldadinhos do bem que se atracavam com qualquer
forasteiro hostil. Por todo o corpo encontrou tantos e tão variados
trabalhadores que pôde apenas confiar.
Abraçou todos eles, agradeceu o esforço de cada um e
garantiu que, acontecesse o que acontecesse, eram todos fantásticos cumpridores
do mistério da vida; conhecidos, sem nenhuma exceção, pelo Absoluto, que a cada
um queria bem, e que a cada um incluía no Todo, o Universo Cósmico, eterna
morada.
Da beira do leito observei a enfermaria toda. Em cada cama
um mistério. Seres absolutamente solitários numa mesma travessia. Não nos
pertencíamos, não poderíamos ir uns com os outros aonde quer que tivéssemos de
ir, mas era bom ver as silhuetas de cada um dos companheiros de jornada, saber
que eles também estavam lá, flutuando naquele mar revolto.
Num barco seguro, eu navego. Em rota traçada me movo, adiante,
um porto me espera. Eu escolhi meu barco, janelas azuis, anzóis. Imenso é o céu
que dele se vê.
Náufrago, navego também. Em busca de um lugar qualquer, de
terra sob os meus pés. Uma balsa frágil mantém-me à tona. Estrado e lona
afastam a morte e busco enxergar o que me faz crer.