04 junho, 2017

RENASCIMENTO

Por:
Celina Corte Pinheiro de Sousa
Regional CEARÁ
In memoriam









Cansada por dentro e por fora. A alma padecia de uma terrível solidão e o corpo revelava seu desconforto diante da vida. Olhar opaco, unhas quebradiças, sem viço, passos pesados, ombros arreados para frente. Vida em branco e preto, sem sonho, nem fantasia. Real demais para satisfazer. Sob a percepção dos demais, considerada uma pessoa de sucesso. Mas não se sentia assim, face à agrura íntima que a devorava. Pregado na face, um eterno sorriso, embora o olhar fugidio denunciasse o que ela não verbalizava. Em seu espírito, habitava uma vontade de acabar com tudo de vez. 

Há anos acompanhava o companheiro em sua saga. Paralisado, não deixava o leito e não via o sol nascer todas as manhãs, pois o paredão de um prédio, construído ao lado da casa, impedia até a visão do céu. Mas tanto fazia, pois ele se ausentara do mundo há bastante tempo. A tez alva e fina se assemelhava a um papel de seda enrugado pelas mãos. Um molambo humano, sem graça, sem ternura. Apenas um vivente. “Meu Deus, por que a vida não o leva à morte?” – pensava e se arrependia. Não queria ter remorso quando ele morresse. Mas, sinceramente desejava  ver o sofrimento de ambos chegar ao fim.  Sentiria falta daquela presença após tantos anos de convívio. Quase quarenta... Quase uma vida! Mas não suportava mais a ausência de compartilhamento. O amor se perdera. Em seu lugar, a compaixão... Às vezes, nem isso! A raiva, a desesperança e a frustração tomavam conta dela e a afogavam.

Ele não percebeu. Impossível! Mas os amigos perceberam que o sorriso de sempre mudara. Agora, Artemísia parecia sorrir de verdade. Não era mais uma máscara de cera. O olhar se tornara menos enrijecido. Além do sorriso diferente, brincadeiras com o cachorro, coisa que não fazia há muito tempo. O animal se sentia igualmente depressivo, pois era apenas mais um elemento dentro da casa tão desiluminada. Artemísia teve a impressão de que quando se olhava no espelho, ele sorria para ela. Sentia-se bonita, atraente e o espelho concordava. A vida sempre solicitara dela um dispêndio de energia muito grande e o tempo se encarregara do resto. Mente brilhante, capaz de comandar o império construído pela família, secara por dentro de si. Os filhos não conseguiam vê-la frágil, pois ela mantinha seu jeito forte mesmo nas situações em que suas emoções eram mais exigidas. Mas, dentro de si, desmoronara pouco a pouco, sem que percebessem... 

Seu renascimento se dera de uma maneira estranha, meio por acaso. Por força de sua profissão, tivera contatos com ele através da internet. Uma única vez por telefone. Nem se recordava da voz... A princípio, contatos nada agradáveis. Melhor defini-los como hostis, mas ela, habituada a lidar com diferentes humores, conseguira contornar tão bem a situação que ele se tornara menos agressivo, demonstrando progressiva admiração e simpatia por Artemísia. Ela, por sua vez, apreciou os galanteios que ele lhe fazia através da internet. Sentiu-se desejada fêmea no cio. Trocaram fotos e mensagens, restauradoras de um desejo incontido, que seu corpo pensara já ter esquecido. Tudo aquilo superava o corriqueiro e mexia com ela. Uma nova energia percorria seu corpo provocando uma excitação inaudita. Voltou à sua juventude, quando sentia aquela pulsação agradável e inconfessável... 

Ele também sentia os arroubos de uma paixão desenfreada e virtual. Homem maduro, experiente, delineava o imaginário através das fotos virtuais trocadas entre si... Dirigia palavras meigas e doces à Artemísia que, se as ouvira algum dia, há muito esquecera. Ela leu diversas vezes a mensagem em que ele confessava sua paixão: "Você me encanta, me inebria, agita minha mente e me dá forças para continuar a viver...”. Sentiu um leve arrepio. Sorriu sensual.

Amaram-se profundamente. E sem qualquer culpa! Eram ambos profundamente solitários e sonhavam com o dia do encontro. Trocaram beijos e mais beijos na rigidez da tela. Amaram-se e repetiram orgasmos imaginários nunca pensados. O amor mais bonito de toda uma vida.  Estendiam as mãos e, na virtualidade, chegavam a sentir o toque na pele, um do outro. Um maravilhoso jogo de faz de conta que valia à pena... Até que um dia... Até que um dia, ambos mergulharam na rede e sonharam o sonho mais lindo, em outra dimensão... 






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