28 fevereiro, 2017

AS FOGUEIRAS AINDA ARDEM

Por:
José Medeiros
Regional ALAGOAS
In memoriam













Muitas comemorações em torno da fogueira, alegria, muita cachaça e outras águas mais ou menos ardentes; de repente, num ímpeto irresistível, ela – uma bela jovem – jogou na fogueira pistolões, busca-pés e bombas que trazia nas mãos. Labaredas gigantescas surgiram da fogueira e atingiram seu rosto, braços e tórax. Dores lancinantes, gritos agudos. Foi levada às pressas ao Hospital de Pronto Socorro com graves queimaduras; sua vida corria perigo.

Fui procurado pela família da paciente, pois ela havia sido minha cliente em tempos passados. Insistia em ver-me. Impressionei-me com o aspecto das lesões. A família desejava saber se era necessária sua transferência para outro hospital. Desaconselhei a remoção; tudo o que se podia fazer estava sendo feito. Lembrei-me de sua vaidade e beleza. Formara-se em Psicologia, mas não exercia a profissão; tornou-se gerente de uma grande empresa. O consumo excessivo de bebidas alcoólicas vinha alterando seu comportamento. Agora, no leito do hospital, culpava-se pelo acidente provocado, preocupada com as conseqüências de seu gesto de irresponsável arrebatamento.

Dúvidas assaltavam seu espírito. Seria esse o seu destino? Estaria escrito que esse acidente faria parte da história de sua vida? Os conselhos da família tinham sido em vão. Embriagara-se no prazer de viver em toda a plenitude, sem limites; largara deveres religiosos e familiares. Julgava-se elegante, saudável e bem remunerada; o resto pouco lhe importava. Naquele momento, estava acometida por um estranho medo, medo e remorso. Quase destruíra sua vida num ato inconseqüente. Havia estado cega pelo orgulho, imersa num período no qual predominara uma fogueira de vaidades.

Procurei acalmá-la. Perguntei onde estavam a coragem que sempre demonstrara, o poder de reação, a vontade de vencer obstáculos e transtornos da existência. O que lhe acontecera poderia servir de incentivo para recomeço de uma nova vida. Afirmei que há sempre um momento de verdade na trajetória de cada um de nós. Ela me respondeu que sentia a alma esvair-se do corpo. Perdera a vontade de viver.

Foi bem longo o período de sua recuperação. Depois da alta do hospital conseguiu, na empresa, transferência para Recife. Perdi-a de vista. Vez por outra, seus familiares davam-me notícias dela. Estava bem, fizera plásticas e tratamentos especializados. Na  força espiritual, encontrara meios de vencer os sofrimentos.      

Anos se passaram. Reencontro-a e quase não a reconheço. Estava sorridente, autoconfiante e vestida no fino da moda. Cicatrizes, entretanto, eram visíveis. Explicou-me, que além do emprego, dedicava-se a uma obra social: cuidava de pessoas que apresentavam extensas cicatrizes de queimaduras e de jovens que se perdiam no alcoolismo precoce, nas drogas e na violência.

Estava feliz. Fizera de sua vida um ato de compromisso com pessoas sofridas, a quem já faltavam esperanças de futuro. Enfim, tentava apagar fogueiras que ainda ardiam em corpos e almas de seus semelhantes.


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