Rafael Gallina Krob
Ilmo. Sr. Dr. Hipócrates: cordiais saudações!
Como tem
passado o digníssimo Doutor? Aproveito a oportunidade para contar-lhe sobre sua
filha. Sim, sua garota, a Medicina. Por Apolo, ela anda uma danada! E nem é
mais tão moçoila, veja só quantos séculos ela já tem. E mesmo assim, continua
cativando turbilhões de jovens e enlouquecendo corações. Veja quantos batem à
porta do seu irmão vestibular. E aqui entre nós, mano ciumento este, não? Quase
não deixa ninguém chegar perto dela! Muitos querem tê-la, mas nem todos podem.
Correto, meu amigo, pois para namorar uma rapariga grega e direita assim é
preciso muito empenho, ética e respeito! Pensa que é fácil? Ela é uma
namoradinha exigente! E não é para qualquer um. E ela pegou-me de jeito. Não
pude resistir a mais recíproca das paixões. Amor à primeira vista. Fiquei tão
deslumbrado com o charme de seu perfil helênico e com sua voz doce que
joguei-me em seus braços impensada e repetidamente, por tantas e tantas vezes.
Perdi-me no emaranhado dos seus cabelos dourados e fitei quantas vezes aquele
par de olhos azuis cheios de ternura e da cor do Mar Mediterrâneo. Olhos que me
devoravam com a sofreguidão de "quero mais". A boca, humm... carnuda
e cor de maçã! E a pele, que seda. Rugas? Nenhuma! Como? Não sei. Nem bisturi,
nem botox. Ela simplesmente resiste ao tempo, just like that. E o corpo? Quanta malícia! Irretocável e firmezinho.
Cheio de curvas serpenteantes e perigosas. Lembra até a serpente do bordão de
Esculápio. E o andar? "Toc, toc, toc..." de salto alto e sempre elegante,
deambula com a leveza de uma gazela lasciva, pronta para o ataque. Esculpida com
a perfeição de uma coluna dórica! Bela! Lânguida! Capaz de causar um furor em pleno centro de Atenas.
"Tim-tim", um brinde à Higia! "Tim-tim", outro à Panacia! Só
de pensar, fico todo sudorético! Alguém tem um EGG por aí?
Então, Doutor Hipócrates, perdoe-me a empolgação. Sei que
falo de sua filha, mas esta gata há muito vem conquistando e encantando gerações.
Por séculos, despertou admiradores e seguidores. Não só pela incontestável
beleza em si, mas especialmente pelo seu espírito humano e solidário. E como já
disse, ela é uma amante exigente. Toma-nos tempo, acorda-nos à noite, de
segunda a segunda ela sempre quer mais e mais. Domingo, Natal, Páscoa, dia
santo? Sim, ela é insaciável e incansável.
Mas, Doutor Hipócrates, nós médicos, sempre fomos cientes e
orgulhosos de nosso compromisso com sua amada filha. E queremos continuar
sendo, hoje e sempre. Nós prometemos, lembra? Ou melhor, juramos! Bem como o
ilustre mestre ensinou-nos. Sempre tentando buscar o aprimoramento técnico, mas
sem deixar de lado a face humanitária da profissão. E nunca esquecendo de que o
motivo primordial deste romance todo é a saúde e o bem-estar de nossos
pacientes. E ainda há quem diga que nunca em momento algum da história, os médicos
solicitaram tantos exames avançados e desnecessários aos seus doentes. E também
há quem diga que nunca os facultativos foram tão omissos ao escutar as queixas
dos seus enfermos. Verdade? Não sei.
Agora, há fatos que eu sei, sim. Descobri, Doutor Hipócrates,
que sua filha anda muito namoradeira. Digo-lhe isso mui respeitosamente, mas
não posso esconder-lhe. Como? Ela anda envolvendo-se com um número maior de médicos
do que deveria, ora bolas. Há tantos médicos no mercado que ela já não consegue
mais dar uma adequada atenção para todos ao mesmo tempo. E há os que, para
fugir do crivo do seu irmão, foram procurar pelo seu aconchego em outros países,
com a intenção de voltar e ainda querer exercê-la em território Tupiniquim.
E quanto ao tio SUS, Doutor Hipócrates? Cada vez mais
maltratando sua filha sem do nem piedade! Gerando atritos gratuitos e
desnecessários entre médicos e pacientes e estabelecendo condições desumanas
para ambos. Enfermos que morrem na fila das consultas e que acotovelam-se nos
hospitais públicos em busca de atendimento estão tecendo comentários nada
adequados sobre a reputação de sua grega amada. Doutor Hipócrates, o que será desta
relação entre nós médicos e sua filha na atual conjuntura? E o que será
daqueles doentes que dependem de tão estreita relação?
Doutor Hipócrates, certo de que o pai da criança há de
encontrar uma solução, cordialmente despeço-me. Enquanto ainda há vida, ainda há
esperança. Um fraterno abraço dos eternos embriagados de amor pela sua filha...
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