Roberto Antonio Aniche
Regional SÃO PAULO
E-mail: aniche@uol.com.br
As crianças corriam nuas pelas matas, pelas praias e rios espalhando o
riso alegre como borboletas voando entre plantas. Cada criança, cada par de mãos era como uma
nova esperança de alegria, fartura e progresso para todo o reino de Oyo (hoje Nigéria).
Xangô, grande guerreiro se tornava bondoso e não conseguia impedir um
sorriso largo que se derramava em cada criança, parava os trovões, descansava
seu machado, tornava-se no coração irmão daquelas crianças que corriam,
brincavam. O olhar de Xangô era o sol escaldante, mas a pele negra já era
íntima do calor extremo, e mesmo assim, era a luz protetora daquelas crianças
que se multiplicavam como pássaros para tornar a nação cada vez mais forte.
A pele era o orgulho, resistia ao sol e se banhava na água morna dos
rios embaixo da proteção do seu olhar. Somente elas conseguiam dominar a
valentia e a violência de que Xangô era detentor, o destemido governante que se
enternecia com o riso e as brincadeiras dos filhos de sua nação.
O povo iorubá era protegido e abençoado, Xangô era o único que tinha
todos os poderes para protegê-los e às crianças que cresceriam fortes e
guerreiras como ele. Só ele tinha transito livre pelos dois mundos que faziam a
terra e que separavam-se entre mortos e vivos.
Numa tarde quente Xangô foi traído. A nação foi pega desprevenida, seus
guerreiros foram emboscados, mortos, capturados, mutilados. As mulheres
amarradas às crianças, violentadas, agredidas. Capturados como animais.
Tratados como animais. Presos, colocados aos montes em porões de navios.
Crianças chorando, mulheres gemendo. Os mutilados foram deixados para trás,
muitos se jogaram ao mar preferindo morrer a viver em cativeiro.
Não havia mais a luz do olhar de Xangô para iluminar suas existências
reduzidas a simples destroços humanos amontoados, misturados a fezes e
excrementos, a cadáveres que jamais seriam enterrados.
Xangô encontrou a Nação queimada, filhos e irmãos mortos, e gritou.
Gritou muito com a força do trovão que ecoou pela terra e pelo mar. Chorou com
as lágrimas furiosas da tempestade. Toda a sua valentia converteu-se em ódio
vingativo. Xangô nunca suportou a traição e foi buscar a justiça para quem
traiçoeiramente desafiara sua força.
A tempestade fustigava o navio negreiro com uma fúria sem igual. O
capitão e os marinheiros jamais haviam visto situação tão violenta, um mar tão
revolto que balançava o barco como um brinquedo na lagoa. O medo se apossara de
todos.
Xangô se aproximou e com seu machado rompeu o navio ao meio, enquanto
todos imploravam pela proteção divina. O terror se estampava em cada tripulante
com a certeza da morte certa. A carga do porão, apinhada, amontoada, ferida de
morte em sua alma sorriu com a presença de Xangô, que de um só golpe libertou
todos os seus filhos e irmãos, enquanto Yemanjá recolhia a todos embaixo de seu
manto de luz e bondade.
Estavam todos novamente livres para correr pelas matas do outro
mundo...
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