30 outubro, 2017

ALBATROZ

Por:
Sérgio Perazzo
Regional SÃO PAULO
E-mail: serzzo@terra.com.br












Sou um monte de papel
atado na burocracia das coisas.
Passaportes a granel,
carimbos, cadastros, protocolos, sou réu,
levando a lugar nenhum,
travando tudo, levando a nada.

Sou a mão que afaga a lua vaga.
Sou o homem que chorava todo dia
porque preso em si mesmo sequer acontecia,
batendo as asas de albatroz,
sem nuvem, sem céu, a esmo,
querendo apenas voar
na amplitude de sua própria envergadura,
no GPS do desejo,
costurando penas de algodão,
linha, tesoura, chuleio, retrós,
rosto enrugado de pássaro,
fio tenso a meio passo da ruptura,
corda vocal sem grito e sem voz.

Recolho nossas coisinhas miúdas
como Gonzaguinha em seu grito de alerta,
definindo nosso caso como porta entreaberta,
implacável sina gravada na minha palma
que, em pleno intermezzo da madrugada calma,
a cigana de óculos lê, decerto, no vazio deserto
das cartas proféticas de um estranho tarô,
entre a estação Clínicas do metrô
e as calçadas do velório sombrio
da esquina do cemitério do Araçá,
prenunciando a morte, ainda do lado de lá,
rogando prece, rogando praga,
puxando o balde do poço inesgotável
de minh’alma,
dizendo, como a antiga moda de viola
já distante da roda do tempo,
que os pecados de domingo
segunda-feira é quem paga.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...