24 outubro, 2017

GAZETA DA CIDADE: A POETISA PARTIU

Por:
Gilmar Mereb Chueire Calixto
Regional PARANÁ

















Ela chegou numa ambulância ao serviço de urgência referida pela sua médica. Pálida, esguia, desidratada, voz sussurrada, mas semblante altivo e murmurava que amava sua irmã. Não há vaga disponível, foi dito. Acolhida, assistida, tratada e encaminhada a hospital geral. 

Quando medicada no pronto atendimento, tinha observado, em seu corpo magro, cicatrizes esparsas de pequenos ferimentos, quais riscados de cinzel. Segurei sua mão, olhos de mar, porte de rainha, ora frágil, mas destemida, velha Araucária Curitibana, linda, símbolo paranaense. 

Na Boca Maldita, dias depois, seguiu o boato de que, já em casa, segurava, mesmo trêmula, a pena que feria bravamente o papel branco, com trovas. Algum tempo depois, a poetisa partiu. Agora, sem canetas e sem manchas de tinta nas mãos, alma fugidia, em busca da musa etérea, agora poesia. 

Lembro vagamente que, ao caminhar próximo a sua casa, encontrei-a no banco da praça do Ruy, solitária, como só os poetas verdadeiros o são. Sentei-me ao seu lado e confidenciei que, como filho de poeta que era, arriscava escrever. Ela me deu um sorriso triste. Compreendi a cumplicidade, pois os poetas, no fundo, bem no fundo da alma, são solitários e tristes; não são deste mundo. 

Perseguem a rima perfeita, brincando com a simplicidade, música dos sonetos e a singularidade da prosa. São seres mágicos, etéreos, que conspiram na eternidade dos mundos, entram e saem dos Buracos Negros e Brancos infindos, transportados pelo avatar da pena.

E a Poetisa disse-me que só os poetas tristes, como nós, podem capturar a alegria e o canto da vida, sua sombra e luz. Disse-me que somos como palhaços, sorriso rúbio pintado na face, para seduzir a Musa perdida e aplacar a solidão. 

Ela viu que meus olhos passearam inquiridores pelas suas marcas na pele fina, marfim.
Confessou-me que, ao caminhar próximo a sua casa, fora derrubada e roubada por meninos de rua com cracas e crack, perdidos, órfãos. 

Seus poetizados "Meninos de rua", agora, "Meninos do asfalto", não mais "capitães da areia", nem 'Meninos da Rua Agostinho" dos seus livros amados. Filhos de mães Curitibanas, nossos Polaquinhos de rua, injustiçados, agora violentos, sem pierogue, sem Anjos da Guarda. Sem o Anjo que os guardava, pois a Poetisa partiu, a Musa chorou. 

Gazeta da Cidade: A POETISA PARTIU. A poetisa curitibana Helen Kolody foi fragilizada por meninos de rua fazendo Gazeta, os meninos do Povo. 

Crônica inspirada em uma história real.






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