14 novembro, 2017

A LIBERDADE

Por:
Marco Aurélio Baggio
Regional MINAS GERAIS
In memoriam
















"A liberdade é o bem maior sobre a face da terra" 

 Liberdade é o sentimento de que o sujeito é agente ativo de suas prerrogativas. Ele sente que tem poder de agir e de se conduzir segundo seu desejo, seu bom senso, de acordo com seu alvedrio.

A pessoa livre é aquela que avalia suas circunstâncias, leva em conta suas determinações, ultrapassa sua inércia, escolhe, implementa seu ato criativo, avança na expressão de seu valor como ator no cenário deste mundo.

A liberdade é uma aspiração, um alento sutil que se asperge por sobre a pessoa, dando-lhe a deliciosa sensação ilusória de que possui um poder de arbítrio livre de condicionantes. Esse estado de espírito é precioso. Ele implementa no sujeito a confiança de que ele é agente ativo de facção do que for preciso para superar suas necessidades. Nesse sentido, Hegel define a liberdade como “a consciência, por parte do sujeito, de sua necessidade”. Evidentemente, com o objetivo de vir a superá-la.
     
Liberdade implica a prerrogativa do sujeito de se orientar rumo à tomada de decisão, seguida pela atitude definitória que comanda o curso de sua ação, no qual ele comete um feito – o ato livre –, que é uma verdadeira obra de arte pessoal. O requisito antecessor para assim agir é o sujeito estar apetrechado de informações que lhe proporcionam amplo conhecimento de causa.
     
Sabe-se que a responsabilidade moral de nossa conduta se funda no livre-arbítrio. Mas o que é livre-arbítrio? Fundamentalmente, é uma noção que libera Deus – Javé, o Deus dos cristãos – da responsabilidade de ter-nos criado – se é que nos criou mesmo – tão frágeis, falhos, faltos, desamparados, desesperados e indecentes.
     
Dotados de uma natureza vacilante de animais sujeitos a todo tipo de necessidades e de adoecimentos e, pior ainda, estando condenados a viver renegando a verruma da consciência de nossa própria morte, ainda assim, temos de nos responsabilizar moralmente  pelas decisões e pelos rumos que impomos a nossa vida.

A concepção de que somos dotados por nosso Senhor de “livre-arbítrio” parece uma brincadeira.
     
Seres de fome, de sexo, de inveja, de cobiça, irascíveis e querelantes, ávidos de dinheiro e de garantia, somos – divinamente – convidados a negar nossa natureza e, angelicalmente, empreender escolhas virtuosas e benignas, para a maior glória de nosso ousado Senhor.
     
Livre-arbítrio? Com uma natureza natural que não nos dá a mínima confiança, em um Universo frio e opaco, vagando em um mundo de escassez e de disputas, temos o “livre-arbítrio” de escolher legumes na feira. Tão-só.
     
Nossa liberdade de escolha é apenas a de nos “espremer para limonadas”. Entre tantos limites e contingenciamentos, estamos compelidos a ir adiante, mesmo que seja por colominhantes caminhos, por sendas ocultas até uma distante estação escolhida de pouso qualquer.
     Ainda assim, a ilusão de que dispomos de livre-arbítrio ajuda a lidar com os condicionamentos da vida.
     Estamos condenados a exercer nossa pequena franja de liberdade ao sabor do bambalango dos fatores operantes endógenos e externos, extraindo-lhes, sagazmente, uma resultante que nos projeta para além deles. Temos de escapar espertamente da lei da natureza: ela cria coisas novas, destruindo as coisas já estabelecidas. Para viver e ir adiante, o homem usa sua parca liberdade, superando necessidades, contradições, empecilhos e impasses, escapando para o campo ainda devoluto do novo e do airoso.
    
É nessa nova posição que ele aufere as benesses dos ares finos de sua liberdade. Liberdade esta que é poder escapar das peias e dos predadores, sentindo-se inteiro e gostoso, a salvo, no desfrute de sua completude, posto em segurança. Este é um momento transitório em que pessoa usufrui do sentimento de liberdade pura. Estuante.
     
Vivemos em um mundo em que a grande imprensa tem o eficiente poder de expressão para difundir uma propaganda mistificadora que transforma o sujeito livre em um leitor, em um espectador ou em um consumidor. A mídia tende a nos tornar, a todos, sujeitos menores, coadjuvantes ou figurantes do processo econômico, social e político.

“– Você não pode perder... Você vai ver o... É uma oportunidade imperdível... Estamos promovendo especialmente para você...” E lá  vem  enganação: “– Abra mão de sua liberdade de escolha daquilo que o sustenta e daquilo que o constitui. Abdique de sua autonomia e mergulhe no festim de nossas ofertas e de nossos espetáculos sem fim. Aliene-se e sinta-se pertencente à grei de nossos associados. Afinal, vivemos para diverti-lo. Deixe de ser um você minúsculo e passe a pertencer ao clube das coisas e dos seres fantásticos e espetaculares. Será divertido e bastante alienante.”
     
Em prazo médio, a mídia não sustenta pessoa nenhuma. A diversão em moto-contínuo tem o discreto charme de afastar o indivíduo de seus próprios cuidados.
     
Trata-se de uma proposta difusa de dispersão do sujeito de seus interesses, impedindo que esse se empenhe na construção daquilo que lhe falta: no estabelecimento de sua consistência como pessoa que se sustenta, do modo que lhe convém. A mídia e a publicidade não cuidam de seus interesses básicos. Ao contrário, estão a serviço de outros, grandes, que precisam de sua anuência e de sua pecúnia para se manterem lá, nos largos espaços do poder constritor de sua liberdade pessoal.
     
É necessário e justo acautelar o cidadão para só ceder parcela de sua liberdade, desde que obtenha um intercâmbio valioso. A rigor, troca-se liberdade por coisas que são convenientes e sustentadoras.

Entre as patologias sociais do uso da liberdade está a difusão de falsas crenças, a divulgação de superstições, de ignorâncias e de pseudociências. Obscurantismos, fanatismos, fundamentalismos também se utilizam da permissividade do Ocidente para incitar ódios e a acirrar ânimos. A propagação das condutas ilegais e a exposição permanente da população a atos de perversidade gratuita, bem como a divulgação de crimes hediondos, guerras, matanças, decapitações mostrada ao vivo pela televisão são exposições a que estão sujeitas as pessoas e que as maltratam e as estupidificam.

Sabe-se o poder de contaminação que tem sobre a população imatura e propensa ao mal a expressão pela mídia de atitudes eivadas de maldade e de irracionalidade. Delinquentes, personalidades mal-conformadas, pessoas impulsivas, agressivas, ávidas de um momento de publicidade tendem a conduzir-se segundo os maus exemplos a que ficam expostas.
Se a brutalidade e o escândalo que a mídia exibe tem, em princípio, o nobre propósito de informar e de esclarecer o público, funcionando a má notícia como um adversativo que coíbe a má conduta para a maioria da população, uma pequena parcela desta tem, na exibição detalhada desses atos condenáveis, exemplo e estímulo para fazer igual ou pior. Imagens degradantes instruem sujeitos com iguais propensões.

Não há dúvida de que é preciso coibir e combater acirradamente o mal, onde quer que apareça, esbatendo todas as suas formas de manifestação.

Por fim, é bom lembrar que a liberdade traz, em si, uma volúpia de controle. Livre, leve, solto, o cidadão, muitas vezes, busca restabelecer a relação de subordinação ao outro, para sentir-se seguro. A liberdade, quase sempre, faz o sujeito sentir-se largado, em queda livre, no vácuo da vertigem de não saber o que fazer de si.

Explica-se assim o porquê de milhões de pessoas livres se lançarem, espontaneamente, em redes de captura do sujeito. O fumo, a droga, o jogo, o sexo, a comida, o vício, a compulsão, as quadrilhas e as seitas religiosas são excelentes dispositivos que restringem, violenta e definitivamente, a liberdade das pessoas, desviando suas trajetórias de vida, de maneira inapelável, para um rótulo: viciado, obeso, bêbado, drogado, fanático, crente, bandido. 
O excesso de liberdade, muitas vezes, desvirtua e perverte os homens. Vivemos em uma sociedade que nos granjeia o supremo bem: a liberdade. No entanto, o Ocidente é lasso e permite que psicopatas abusem de sua liberdade gerando, pelo excesso, uma ensandecida patologia da liberdade.

A liberdade não pode dar vezo a que o individuo descometa em suas prerrogativas como sujeito e nem exorbite seus desejos, atropelando o direito dos demais.

Assim a liberdade de cada cidadão deve ser escoltada pela justiça, fazendo vigorar a boa ordem dos vários componentes da vida social.

Toda liberdade excessiva tem que ser severamente coibida. Só assim os finozinhos ares da liberdade podem ser aspirados em plenitude por cada um de nós.  

   

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