13 janeiro, 2018

TEM MAIS VELHA?

Por:
Paulo Camelo de Andrade Almeida
Regional PERNAMBUCO









Ivan vivia sua adolescência entre o estudo (menino pobre, numa escola pública) e as peladas de futebol.

Todas as tardes, após voltar da escola, almoçar e fazer os deveres de casa, ele pegava sua bicicleta aro 22 e saía da sua casa (uma casa humilde) na Rua da Macaíba, no Córrego do Euclides, para ir parar na Avenida Norte. 

Ali, na Avenida Norte, estavam seus amigos, amigos que conseguira arregimentar com seu jeito risonho e cordial. Ali passava as melhores horas naquelas tardes-noites, até que chegasse a hora de voltar para casa.

E não ficava só nos dias-de-semana. Aos sábados e domingos ele seguia a mesma liturgia, agora desde a manhã. Tomava seu café com pão e ovo, e tomava o caminho já decorado: Beco do Pavão, Avenida Norte, até encontrar-se com todos os outros, num campinho que o pai de um deles deixou que fizessem em um terreno baldio, na esquina da Rua Manoel Apolinário. Ali, no campo do MAPOC.

MAPOC - Manoel Apolinário Clube. Clube criado pelos jogadores das redondezas da Avenida Norte e Rua Manoel Apolinário. 

Nos fins de semana, jogavam bola, em torneios que criavam, tendo como adversários os meninos e rapazes de outros grupos das adjacências. Nesses torneios participavam: BEVEC (Bela Vista Esportivo e Cultural), um clube (como o MAPOC) criado por moradores da Rua Bela Vista, apenas para a diversão, e que tinha uma pretensão mais avançada: a cultural; o GEL (Grêmio Esportivo Lucena), da Rua Cabo Epitácio Lucena, nos mesmos moldes dos anteriores. E a eles se juntava um grupo de jogadores adolescentes do clube Botafogo, da Vila dos Comerciários (apenas este não tinha nome original).

Mas o gostoso mesmo eram as peladas, que se estendiam pela noite, a jogarem futebol e cacetadas no escuro, numa brincadeira aparentemente perigosa, mas que não deixava nenhuma seqüela, pois as pancadas eram todas medidas e meditadas, para que não se virasse um simples jogo em campo de batalha.

Sua bicicleta, uma Monark, aro 22, própria para crianças até 12 anos, mostrava-se pequena para sua idade e estatura. Mas, criança pobre que era, não tinha como trocar de bicicleta. Era seu meio de transporte.

Com ela, nos domingos, quando faziam programações diferentes, saía com os amigos. Quem tinha uma montava nela. Quem não tinha a sua ia de bigu, no quadro da do amigo. E assim faziam seus passeios. Saíam de Casa Amarela e iam tomar banho de mar em Rio Doce. O banho de mar era só pretexto, pois chegavam à praia às 8 horas, depois de pedalarem por uma hora, e às nove horas já estavam de volta, para que o sol quente não os pegasse.

Os roteiros se alteravam. Um dia iam tomar banho no Riacho de Passarinho, no outro iam ao Açude de Dois Irmãos, e assim passavam seus fins-de-semana. Quando o passeio era pela Avenida Norte, ao passarem pelo Largo Dom Luiz, aproveitavam para tomar caldo de cana com pão doce numa barraquinha que havia próxima ao antigo campo do Universal.
Na volta, sempre a boa e saudável pelada.

Mas, sem muita manutenção, por falta de dinheiro, um dia sua bicicleta quebrou. Ivan ficou sem seu transporte. Mas isso não o deixou desanimado. Ia, religiosamente, todos os dias para o campo do MAPOC, para jogar sua pelada. Depois voltava para casa. Nessas circunstâncias, porém, um pouco mais cedo, pois passou a depender do ônibus.

Sendo estudante, tinha direito a pagar apenas meia passagem. E ele saía com o dinheiro da passagem e o do caldo de cana com pão doce. Levava mais algum de reserva, para eventuais surpresas.

Aquele sábado foi marcante para ele. Saíra com apenas 150 cruzeiros, três cédulas de 50 cruzeiros, e a carteira de estudante no bolso. Na ida para a Avenida Norte, pagou a primeira passagem. Meia passagem: Cr$ 50,00. Ficou com 100. Daria para o caldo de cana e a passagem de volta.

Como estava sem bicicleta, acharam por bem os amigos de não darem seu passeio de fim de semana. E aproveitaram para jogar bola e inventar outras brincadeiras nos terrenos que por ali havia (terreno era o que não faltava).

Voltou para casa com os 100 cruzeiros.

Tomou o ônibus do Córrego do Euclides de volta para casa.

Quando se aproximou da borboleta, para pagar a passagem, pôs a mão no bolso. Tirou duas cédulas de 50 cruzeiros. Uma cédula velha, amassada, bastante usada, porém inteira. A outra, coitada, rasgada, já faltando uma pontinha. Em frangalhos. Talvez o Banco Central nem a quisesse de volta para destruir, pois destruída já estava.

Sem graça, com vergonha de mostrar aquela cédula que de nada mais valeria senão o recolhimento compulsório, apresentou ao cobrador a mais novinha (novinha era força de expressão).

O cobrador, um homenzinho franzino, com cara de quem acordou virado, brigado com Deus e o mundo, não lhe inspirava boa coisa. Ao ver a cédula amassada, apresentada por aquele estudante pobre, sujo (havia jogado bola a tarde toda), tomou ares de autoridade e botou banca para cima de Ivan.

— Não tem uma mais velha, não?

Disse isso, fazendo menção de devolver a cédula ao coitado.

Bom, era agora tudo ou nada. Ele era pobre, mas estudante. Não era ignorante. E usou sua inteligência. 

Calmamente, com olhar cabisbaixo, envergonhado, recebeu de volta a cédula que apresentara já com toda a vergonha do mundo.

Continuou com toda a calma.

“Primeiro - pensou - livrar a viagem. Depois, livrar a cara.”

Guardou a cédula devolvida num bolso, passou pela borboleta, registrando sua viagem - o que o protegeria de ser posto para fora do ônibus por um cobrador furibundo, e...
... Entregou a cédula esmolambada a um cobrador boquiaberto, perplexo e mudo.

E ainda tripudiou.

— Mais velha do que esta eu não tenho, não, senhor.




11 janeiro, 2018

CONGRESSO NACIONAL NO MARANHÃO - TÁ CHEGANDO A HORA

VOCÊ JÁ ESTÁ PRONTO PARA 
ESTA AVENTURA LITERÁRIA?

Prepare-se! Vem aí o XXVII Congresso da Sociedade Brasileira 
de Médicos Escritores!
20 a 22 de setembro - SÃO LUIZ - Maranhão.


Veja um pouco do que te espera no Maranhão:


Nos próximos dias, mais informações e detalhes sobre inscrição neste evento literário.
Acompanhe! Participe!

O AVISO DO VENTO

Por:
José Maria Chaves
Regional CEARÁ
E-mail: jmchaves37@gmail.com








As horas já avançavam galopantes noite adentro, num mês de novembro cálido, para um ano de inverno escasso. Indubitavelmente aquele calor obrigava, muitas vezes, dona Nozinha fazer semiaberta, quase de um modo permanente, a janela da frente, em conjugação com a parte superior da porta da cozinha, inteiramente escancarada, com o fito de propiciar uma amena circulação de ar no interior da casa.

Seu verdadeiro nome era Leonor, mas, carinhosamente, desde pequena, todos a tratavam por Nozinha, até mesmo para fazer coerência com sua delicadeza de gesto e nobreza de comportamento sempre mantidos. Ainda não chegara aos trinta anos e já carregava o pesado fardo da administração de uma família constituída por seis filhos menores, com o primogênito havendo completado nove anos e a caçula, engatinhante, ensaiando os primeiros passos. Seu marido, fruto de um romance sem a aprovação paterna, resolvera tentar a vida nos seringais da Amazônia, e, há mais de dez meses estava ausente. Dificilmente ela recebia notícias dele, isso acontecendo na maioria das vezes através de retirantes que voltavam, quase sempre, para escapar da malária ou de qualquer outra doença palustre. A última informação, trazida por Abdoral de Sousa, que, com o diagnóstico de filariose tivera que retornar a sua terra a cata de tratamento, não era muito alvissareira, pelo contrário a deixara preocupada, pois soubera que seu marido havia baixado a enfermaria do Seringal com muita febre e a pele bem amarelada. Carta mesmo recebera apenas uma, depois de noventa dias do afastamento, trazendo dentro do envelope a quantia de duzentos mil reis. Simão, quando rapaz, muito bonito é bom que se frise, ficara afamado por seu procedimento rotulado de irresponsável, com a característica de namorador, brincalhão, dado ao jogo de baralho, não se o pretendendo como genro, qualquer patriarca de respeito como era o caso do Coronel Antonio Joaquim. 

Por isso, se contava a grande decepção do abastado comerciante com Nozinha, sua linda e prezada filha caçula, no próprio instante que a impusera o fim do namoro. Destarte, enfrentando momentos de grande necessidade, guardara para si os problemas, não tendo coragem de levá-los a seu carrancudo pai. Se, ao menos sua mãe estivesse viva, porém uma enfermidade insidiosa causara a sua morte, nem bem passara um ano de seu casamento. Conseguira com o Padre Edgard, caridoso pároco  da cidadezinha, o emprego de zeladora da Igreja Matriz. Tal ocupação viera mesmo a calhar, porquanto fora bem alicerçada na educação cristã, fazendo o seu trabalho de limpeza e cuidados outros com a Matriz amenizarem os seus percalços e por vezes os sublimar. As crianças menores eram cuidadas pelos irmãos mais velhos, ou, na ausência destes, quando de suas obrigações escolares, pela velha Maria Pedra, uma descendente de escravos que se arranchara naquela humilde casa. Claro estava, a não existência de formalidade pecuniária, já que implicitamente tudo se traduzia como troca de favores. 

Naquela noite, refeita com um salutar banho frio, metida num roupão longo que encobria a surrada camisola, com todos aninhados – como assim chamava os filhos acomodados em suas redes – já dormindo, Nozinha visando conciliar o sono, também porque escrevendo para Simão lhe servia como ataráxico, descarregando as saudades do seu amado na escrita, adjutorizada pela luz da lamparina de pavio longo, acomodou-se na grande mesa da sala de jantar, fez mergulhar ligeiramente a pena no tinteiro, e, em um papel pautado, começou a carta: Querido Simão; no silêncio desta noite de 17 de novembro, quando nossos filhos já adormeceram, volto a lhe escrever, pela quarta vez, sem que tenha tido o alento de receber uma segunda cartinha sua. A saudade é infinda e as lágrimas que rolam no meu rosto... Foi obrigada a interromper o seu desabafo escrito, por que uma lufada de vento, sem explicação plausível porquanto o tempo estava parado, apagou a chama que alumiava. Com discreto nervosismo, apalpou o roupão e, sem dificuldade, encontrou a caixa de fósforos. Atritou um palito a caixa, novamente pondo acesa a lamparina. Levantou-se e teve o cuidado de se dirigir a sala, para fechar totalmente a janela, no sentido de evitar qualquer sopro de vento que viesse interrompê-la de novo. No entanto, nem sequer continuou a escrita, uma vez que, até de modo assombroso, a tampa da caixa de sapatos, que estava numa das cadeiras ao redor da mesa, voou e, com o vento produzido, ato contínuo, põe a sala às escuras. Nozinha, em pânico, chorando muito, saiu porta a fora, atravessou a rua, até a casa de seu cunhado, e, freneticamente bateu na sua porta:

– Aniceto, Aniceto...

O irmão mais velho de Simão imediatamente atendeu, algo surpreso e preocupado, levantando o farol acima de sua cabeças:

– Que é isso Nozinha? O que aconteceu? Por que você está chorando?

– Simão morreu, Aniceto, recebi um aviso.

– Que é isso querida cunhada, você está muito nervosa e tudo a impressiona desfavoravelmente.

Após o breve histórico do acontecido, Aniceto procurou acalmá-la, principalmente quando fez a promessa  de tomar providências, imediatamente na manhã seguinte, auscultando o Escritório de Alistamento em Fortaleza, acerca de noticias do seu irmão e marido de Leonor. Ah, isso ele faria, com certeza, quando exigiria a mais breve comunicação pelo rádio do Escritório com o Seringal.

Com efeito, por volta das dez horas da manhã do dia 18 de novembro, estava sendo atendido pelo gerente de alistamento, mas, de princípio tomou conhecimento que a manutenção estava tentando corrigir uma pane no transmissor do Seringal. e. em sendo assim, aguardasse em casa que, quando houvesse a reintegração, colheria noticias do alistado Simão das Chagas.

Finalmente, uma semana depois, Aniceto recebeu uma comunicação telegráfica na qual estava noticiado o falecimento de Simão na noite de 17 de novembro, próximo passado, de impaludismo, e, que devido as dificuldades óbvias de transporte, o sepultamento já se dera na manhã do dia 19, depois da liberação do corpo, obedecidas as exigências de praxe.

Estava definitivamente explicado o aviso, na noite do vento fatídico, que Nozinha não precisava mais escrever a Simão.



10 janeiro, 2018

RAIANDO O FUTURO DE NOVO

Por:
Josyanne Rita de Arruda Franco
Regional SÃO PAULO
Presidente Nacional 2017/2018
E-mail: josyannerita@gmail.com 










Começou de novo... Ou recomeçou? O ano de 2018 começa iluminado pelos raios de esperança que se propagam em fogos de artifício, enchendo de alegria e entusiasmo o ânimo da plateia que se espraia pelo solo do mundo.

O que trará o novo período além dos enormes desafios de planejar o futuro com um presente escasso de recursos e cheio de promessas?

Um coração sensível que envelhece com o tempo tenta ser cético quanto aos devaneios que permeiam o sonho de futuras conquistas, e cada vez mais percebe que trabalho, perseverança e tranquilidade para esperar devem estar enredados no cotidiano das atitudes, sem grandes malabarismos para tentar o que ainda for muito difícil, considerar as vicissitudes do percurso para evitar coletar frustrações.

Um passo de cada vez, caminhando sempre e descansando vez por outra para recuperar o fôlego acabará por conduzir até a meta pretendida. Então vamos caminhar!

Iniciamos um ano que nos levará ao XXVII Congresso da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores SOBRAMES em São Luís do Maranhão, no mês de setembro vindouro.

Comecemos o preparo do terreno para que as sementes que forem plantadas possam germinar e oferecer bela colheita. O momento pede mobilização das Regionais da SOBRAMES, antecipando entre confrades e confreiras a data de 20 a 22 de setembro de 2018 como período de congraçamento entre médicos escritores do Brasil.

Temos realizado ampla divulgação da SOBRAMES nas Américas, na África, na Ásia e na Europa. Pretendemos receber representantes de diversos países que já foram informalmente convidados e já reservaram previamente a data. Quando enviarmos o convite oficial em março do corrente ano, estaremos definitivamente preparando um Congresso Nacional com importantes participações internacionais: uma honra e um prestígio à nossa SOBRAMES.

Mobilizem-se já no raiar do primeiro mês do ano, sensibilizem nossos confrades e confreiras, colegas médicos e demais amigos de ofício e de letras. Elegeremos no Congresso o futuro presidente da SOBRAMES, representante máximo que levará adiante esse trabalho de embaixador dos médicos escritores brasileiros, divulgando nossa Sociedade em território nacional e muito além de nossas fronteiras.

Cada presidente de Regional tem a tarefa de fomentar participações, divulgar as atividades e fortalecer o nome da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores SOBRAMES no maravilhoso universo da literatura e das artes em geral, confraria  apreciada, aplaudida e reconhecida por sua força e pujança em muitos outros países do mundo.

Sigamos!




                                       

09 janeiro, 2018

CRIATIVIDADE

Por:
José Arlindo Gomes de Sá
Regional PERNAMBUCO
E-mail: zearlindogomes@gmail.com










Ser criativo é exatamente o oposto do lugar-comum. “É a capacidade de pensar fazendo um novo arranjo de ideias novas. Ou seja, a partir de um conceito já estabelecido, criar soluções e estratégias que nunca foram pensadas antes”, explica Ana Paula Cuocolo Macchia, neuropsicóloga paulista.

Numa caminhada, de repente, surge na cabeça uma ideia que resolve um problema sobre o qual se andava matutando há dias. Esse é o segredo da criatividade: olhar o mundo de um jeito diferente, não ter medo de inovar, explorar formas alternativas de fazer as mesmas coisas, ousar trazer sonhos para a realidade.

É mais viável ser criativo dentro de seu próprio mundo, da sua aldeia. Se não conhece as notas musicais, a chance de criar uma melodia é praticamente zero. O físico Einstein, por exemplo, tinha um problema teórico para resolver em suas pesquisas, e o fato de ter estudado física deu a ele a bagagem necessária para lidar com isso. Precisou de muita criatividade, mas também de certo conhecimento, para criar a Teoria da Relatividade. Já o talento artístico de Picasso, associado à sua criatividade, permitiu que ele criasse o quadro Cabeça de Touro, no qual usou um selim e um guidão de bicicleta para formar a cabeça do animal.

O ambiente é importante para a formação da criatividade. Se o lugar que você frequenta está aberto a novas ideias, as chances de criar conexões inusitadas são grandes. Mas é impossível ser criativo se não se admitir a possibilidade de errar. “Criatividade implica fazer algo novo, diferente, que ainda não foi feito. E, se ainda não foi feito, pode não dar certo. É preciso aceitar a falha como uma das etapas dos processos de inovação”, continua a neuropsicóloga. E, como ensinou Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa: “O único sentido íntimo das coisas \ É de elas não terem sentido íntimo nenhum”.

Sob uma aparência inofensiva, inventar histórias é uma maneira de exercer a liberdade e de lutar contra os que gostariam de aboli-la. Essa é a razão pela qual todas as ditaduras tentam controlar a literatura, aprisionando-a na camisa de força da censura.

Qual a origem dessa disposição para inventar seres, lugares imaginários e histórias? Estou convencido de que quem se entrega à elucubração de vidas distintas daquela que vive na realidade demonstra, dessa forma indireta, sua rejeição à vida como ela é e ao mundo real, bem como seu desejo de substituí-los por outros, fabricados por sua imaginação e desejos.

O primeiro grau da poesia lírica é aquele em que o poeta exprime o sentimento. Se ele tiver vários sentimentos, exprimirá uma multiplicidade de personagens, unificadas somente pelo temperamento e estilo. Um passo a mais, na escala poética, e temos o poeta, que é uma criatura de muitos sentimentos, mais imaginativo que sentimental, vivendo cada estado de alma antes pela inteligência que pela emoção.

Mas não nos apressemos. As histórias escorrem no ritmo dos olhares e dos pensamentos. Se as coisas são as coisas e mais nada, o ofício do escritor será não exatamente falar delas, mas deixá-las falar nele. Assim como um dia nos falou o poeta Manoel de Barros: “Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina. Assim, ao poeta faz bem desexplicar, tanto quanto escurecer acende os vaga-lumes”.


08 janeiro, 2018

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

Por:
Paulo Expedito Rodarte de Abreu
Regional MINAS GERAIS
E-mail: peralavras@gmail.com









Hoje chove.  Há uma semana tem chovido de forma aguda. Sorriem quem ama a chuva. Descabela-se quem a detesta.

Na roça as águas que descem do alto são motivos de regozijo. Elas tintam de verde o entorno. Fazem crescer os pezinhos de milho nanicos. Engordam a vacada antes de costelas a mostra. Aumentam a produção de leite antes modesta. Em contrapartida alguns problemas são imputados à chuva ao desvario: enxurradas vertiginosas que levam o recente cascalho inserido ao morro agudo por onde sobe o caminhão leiteiro. O barro vermelho, a umidade em excesso desagrada às vacas baldeiras. E o estoico homem do campo, durante a chuvadonha que despenca subitamente não tem como sair de casa e ali fica, olhando pela janela de vidros quebrados toda a desilusão dos meninos da roça, que, na falta de transporte escolar ficam de castigo torcendo para que a chuva pare. Para no dia seguinte voltarem à escola.

Para Seu Zé, caboclo de mãos caludas e tez tostada pelo sol inclemente, a chuva que recomeçou depois de um período intermitente foi a salvação da lavoura. No dia quando o céu se desvestiu de sua roupagem azul, para vestir a roupa cinzenta, ele, de mãos postas ao alto, exclamou bendizendo a situação: “nem tudo está perdido”.

Há coisa de anos e anos a fio tenho tentado inserir cultura onde ela descansa. Publico livros e livros. Não da minha área especifica, a urologia. E sim contando causos, historinhas curtas chamadas de crônicas, outras fantasiosas, romances onde o mistério, o sexo, o suspense, penso que fazem os leitores não se desgrudarem do lido. Até hoje são contados mais de quinze deles. Com o que nasce em dois dias a conta sobe aos dezesseis. Caso fosse editar todas as crônicas escritas, quase impossível nomeá-las todas, são mais de dez mil, considerando-se que meu último livro de crônicas, Mugido de Vaca e Cheiro de Curral tem cento e oitenta e oito, escolhidas entre mais de mil textos, em uma pasta apenas, dividindo-se dez mil por cento e oitenta, quantos livros novos seriam escritos? Façam e refaçam a conta vocês. Pois, escritor contumaz que sou não me dou com números. Entre as palavras, letras, vírgulas e pontos finais sinto-me em casa. Como na casa onde durmo em paz.

De tempos pra aqui tenho feito pesquisa entre as pessoas com quem passo nas minhas caminhadas matutinas e vespertinas.

A elas indago: “vocês têm o costume de ler”? “E de escrever”?

As respostas variam. A maioria esmagadora diz não. Na academia onde passo horas e horas sagradas me exercitando, num dia qualquer, fiz a mesma pergunta a mais ou menos vinte pessoas. De físico apurado, pernas fortes, braços musculosos.

“Qual o seu tipo de leitura predileto”?

Uma linda moçoila respondeu, depois de retirar seu fonezinho de ouvido das duas orelhas: “leio o que me dão. De graça”. À resposta emendei outra: “e se você tivesse de escolher entre comprar uma peça de roupa da moda, e um livro meu, qual deles você compraria”? Ela voltou a inserir o fone de ouvido em altos decibéis na sua cavidade auricular e nem deu resposta.

A enquete, na academia, continuou. A grande parcela dos entrevistados disse não ser das suas predileções a leitura. Um ou outro afirmou que apenas lia livros técnicos. Os demais disseram que nunca leram um livro impresso. Apenas os Ubooks da vida. Mesmo assim os relativos a suas áreas de atuação.

Ontem ia subindo a rua, depois de finda a academia, a fim de fazer uma visitinha ao meu neto, quando me deparei com um rapaz esguio assentado ao meio fio.

Ele lia vorazmente um grosso compêndio. Parei junto a ele para conversar rapidamente.

Foi quando passei os olhos em qual livro ele lia. Era um livro enorme, em inglês. A versão mais nova de um livro de William Shakespeare no original. Hamlet ao rapazola fazia perder a noção de tempo e espaço. Tal era a atenção que o jovem ao livro dispensava.

Parei cerca de dois minutos esticando a prosa. O nome do rapaz era Fernando. Ele me confidenciou que amava literatura, em que idioma fosse escrita. Acabou citando mais de dez línguas.

Deixei-o entregue a sua leitura de Shakespeare. Hamlet o fazia quase parar de respirar.

Ao sair-lhe do campo de visão, estava próximo ao apartamento do Theo, foi que pensei, após quase dezesseis livros publicados, mais de dez mil crônicas escritas, a espera de um dia criar coragem e mandá-las a uma editora qualquer, que nem tudo está perdido. Uma luzinha tênue, quase um vagalumizinho anemiado, me dizia, com sua vozinha piscante: “doutor, não desista da sua arte. 

Mesmo que ela não lhe dê retorno. Não pare nunca de escrever”.



07 janeiro, 2018

ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Por:
José Hugo de Lins Pessoa
Regional SÃO PAULO













Na calmaria da tarde de um domingo do mês de setembro, com tempo livre, abri uma gaveta repleta de fotografias antigas. Qual o sentido de rever velhas fotografias? Ali, naquela gaveta, estavam mais de duas centenas de fotos de todas as épocas da minha vida. Fotos do menino que fui, do jovem, do adulto e do avô que sou hoje. Rever fotos antigas é uma aventura arriscada, algumas são recordações alegres, outras tristes. O álbum de fotografias da nossa vida é a crônica da navegação do homem pelos mares do tempo. As sequências de fotos, ano a ano, permitem juntar as duas pontas da vida. Desse modo, acompanhando as fotos dos anos já vividos é possível relembrar o cenário da travessia, com marcas adequadas das entradas e saídas de cena. Os ciclos da vida, as estações da vida, surgem à vista em cada imagem e relembram as tempestades e as bonanças vividas. Cada época “tem suas próprias circunstâncias e sua própria razão”, compreender isso não afasta o homem de todas as ambiências, mas enriquece a história em toda sua autenticidade. O tempo flui. Fluímos no tempo. Como diz o verso de Alexander Pope: “os anos seguem os anos, roubam algo cada dia, por fim roubam-nos de nós próprios”.

Uma das primeiras fotos que encontrei estávamos, jovens, eu e a minha bela amiga Clarice, em uma festa de réveillon do ano de 1961. Colegas de ginásio, compartilhamos juntos um tempo da nossa juventude. Ela era a melhor amiga da Ana Paula, minha namorada. Quando precisamos dela, nunca faltou. Muito inteligente, sempre era fácil concordar com ela. Com a filosofia de Berkeley, costumava dizer: “a vida é fantasia”. E todos os nossos “problemas” de adolescentes acabavam, inclusive a falta de dinheiro para o cinema. Para a nossa geração ir ao cinema era vital, ver os filmes, comentá-los e discuti-los. No verso da foto, à guisa de dedicatória, ela escreveu: “Ao meu futuro médico preferido, um feliz 1962”. Uma alusão ao vestibular que eu prestaria nesse ano.

As imagens oferecem um ponto de referência para a memória. E quando essa memória é do tempo da nossa juventude, antes da maturidade, elas estão impregnadas do anseio adolescente que vivemos por uma compreensão da amizade e do amor. Movido por um impulso nostálgico resolvi telefonar para a Clarice. Tive dificuldades, precisei falar com várias pessoas até conseguir seu novo telefone. Queria saber se ela ia me identificar, depois de algumas décadas. Surpresa, pensou que eu estava ligando porque ela estava doente. Ficou admirada quando contei a história da nossa foto. Conversamos durante trinta minutos. Quando descreveu sua vida tive a impressão que a sua filosofia existencial seguiu a corajosa intuição de Pascal: “quando se ganha, se ganha tudo, e, quando se perde, não se perde nada”. Há algo de misterioso e fascinante na maneira simples como ela fala da sua vida. Para ela o que é realmente importante está sujeito à rotina da existência. Conversar com a Clarice é uma rara oportunidade de um intercâmbio de confiança. Trabalhou em uma empresa multinacional, casou-se com um diplomata que conheceu em uma viagem ao Rio. Ficou viúva aos 53 anos, com dois filhos. Hoje tem 3 netos. Quando perguntou de mim, falei dos projetos realizados e da ampla galeria de projetos sempre transferidos para o futuro; do meu casamento, dos meus filhos e dos meus netos. Expliquei que me sinto um homem feliz, sem mágoas. Finalmente, ela perguntou: “tem notícias da Ana Paula? Nunca compreendi a separação de vocês”. Respondi com sinceridade: eu também não compreendi, pagamos um preço muito alto por essa decisão. Não estávamos suficientes fortes para enfrentar pequenas dificuldades. E, mudando de assunto, comentei que o nosso tempo tinha sido um período fantástico. Ela sorriu, como se lembrasse daquele tempo e disse: “Isso é verdade. O curso da existência é repleto de esperas, planos e preocupações inúteis. A vida não é assim?” Percebi alguma emoção na sua voz. Desejei uma recuperação rápida para sua saúde, escolhi com cuidado as palavras para transmitir otimismo, fiquei de ligar em breve e prometi uma visita. Voltei para a gaveta de fotografias, poderia ficar contemplando durante horas aquelas fotos. Uma foto da Ana Paula, na beleza dos seus dezessete anos, trazia como dedicatória, apenas, Sabor a Mi, o nome de um belo bolero que fala de um amor eterno.

Existe algo forte e profundo no ato de visitar o álbum de fotografias da vida vivida, uma combinação de sentimentalismo e anseio que parece atingir principalmente aos que já passaram da meia idade. A vida não é preenchida todo o tempo por espetáculos de primeira classe. O psicólogo Abraham Maslov descreveu a existência dos “momentos culminantes” da vida, que o homem não esquece. Além de evocarem saudades, fotos antigas podem deixar explícitos os encontros e os desencontros da vida e mostram a força do tempo, as modificações ocorridas durante a nossa travessia. Aquele, de camisa branca, sou eu? Como cresceram rápido os filhos e os netos! O álbum de fotografias mostra que o homem não pode fugir da compreensão da transitoriedade do tempo e precisa viver com intensidade o tempo presente.



06 janeiro, 2018

DO CORONEL AOS CORONÉIS

Por:
Josemar Otaviano de Alvarenga
Regional MINAS GERAIS
E-mail: alvarengajosemar@gmail.com








O coronelismo político acabou no Brasil? Falo do Coronel de Barranco, do Vale do São Francisco. O chefe de bando de jagunços. Bandidos de familiar tradição na foz, Arraial do Cabeço, hoje Sergipe.

Então, Sertão da Bahia, de ir da margem direita do Chico até a nascente e foz do Rio Doce, colonizado com mãos de ferro desde o Segundo Império. Reforçado na república e agonizado em meados do séc. XX, o Coronel de Barranco, chefe de aventureiros em covardes, constituía-se nos três poderes locais. De início, em apoio ao Império. Depois, chefe político de curral eleitoral e votos de cabresto da república. O coronel de batina era o mais temido. São personagens da história colonial.

Essa figura do Brasil Colônia, pelas mãos do atual governo volta ao cenário político, em pleno século XXI. Estrutura mesmos currais eleitorais aos votos de cabrestos, só que, em todo território nacional; extrapolou o Vale do Chico. Manipula medroso e cevado povo miserável, com Bolsa Família, bolsa isso e aquilo e a cidadania vale nada, enquanto no país, nos poderes de regê-lo, a desfaçatez, corrupção e conluio de marginais, constituídos na legalidade e com apoio do primeiro escalão do poder.

O Brasil é um novo México e vai em mesma ação por décadas, e enquanto lá predominou o PRI, aqui a esquerda festiva do PT e base do governo, fazem do povo manipulado lacaio, de valer pelo voto e impostos que paga, sem retorno nem cidadania.

O modelo gessa progressivo, sem arroubos e tácito, o povo inerme. Visa mantê-lo em mesmas mãos, na tramóia pseudo-democrática em instância de ditadura branca, com o aprovo de pesquisas e votos dos de comer na cuia. Costume dos Coronéis de Barranco, em país que não se moderniza.

Nisso, grassam comida e trocadinhos em disfarce legal sobre o manto da caridade, com apoio religioso. Incutem ignorância através de professores e escolas despreparadas, moldam espíritos submissos em mãos escravas ao trabalho nos latifúndios; agro negócio, funcionalismo público corrupto, bancos e narcotráfico e se garante o poder sob falsa idéia democrática, com votos de cabresto dos currais eleitorais, de manter alta popularidade do presidente.

Fecha a observação a fala do maior defensor do “Coronel Sarney”, dono do miserável latifúndio Maranhão, palco dos menores índices de desenvolvimento social e humano, comparáveis a Namíbia. Lá, até o ar é do Coronel Sarney, de levar seu domínio às terras do Amapá. Coronel de enxertar nove familiares pelos fundilhos do senado, como se fosse casa própria e repetir o clássico do Lula: “Eu não sabia”.

Nas feridas expostas da corrupção e ladroagem no senado, sangrando desde a primeira até a atual presidência Sarney, Lula em bafo de “Sapo Barbudo”, como diria Brizzola, defende o Coronel do Maranhão: “Chega de denuncismo. A imprensa precisa se conter. Não se pode tripudiar sobre um nome como o de José Sarney, pois, ele não é um homem comum ”.

Sarney fora achacado pelo seu atual defensor, tachado de ladrão, corrupto, quadrilheiro, antes do Lula presidente. Mas, está certo o chefe em “Coronel Sapo Barbudo”. Nós, o povo, estamos errados.

Somos iguais perante a lei. Iguais a ladrão, salafrário, quadrilheiro, traficante, corrupto; político do mensalão, sanguessuga, ministro do STF de vender sentença, a base do governo? Embusteiros quaisquer,  independente da natureza, sexo, estado civil, crença, partido ou passado político, esses são iguais a nós escorchados pela vagabundagem e impunidade pública?

Na democracia do Lula existem os mais iguais; os Coronéis de Barranco de vingar por este Brasil afora, obra desse magnífico governo ao retrocesso na história. São semeados a partir do canteiro de impunidades desta baderna moral chamada Brasília, a capital, e do comando da nação, o antro da corrupção nacional.

A Derrama, motivo da Inconfidência Mineira, foi de 20% de impostos, o quinto da produção. Hoje o povo paga quase 40% do PIB, está abandonado quanto a assistência básica prevista na constituinte; Saúde, Escola, Segurança Pública. Grassa a corrupção e a rapinagem do erário e "Eu não sabia, fui traído".

Para o atual governo, tirando a retórica populista, a nação e o povo que se dane...  Tudo sempre acaba em pizza e depois, tem carnaval e futebol. 

Falando nisso, a Copa do Mundo vem aí!...

(texto escrito em 2009)




05 janeiro, 2018

GRÁVIDO DE POEMAS

Por:
João Baptista Alencastro
Regional GOIÁS
E-mail: jbalencastro@uol.com.br









Uma semana gerou infinda emoção
Começaram com três pequenos seres
Cada um com seu caminho e noção
Energia enorme em amperes

Depois um poema rápido e pleno
Quase oito centímetros daqui de fora
Uma bolsa, uma dilatação, e vam’embora
Saudável, nem grande nem pequeno

Aí o desespero de peso
A pressão alta e a emergência
São cento e quarenta orações de gerência
São gestos e atos que me mantém aceso

E uma indução apropriada
Comparando o irmão com este 
A mãe muito mais preparada
E o pai seguindo o leste 

No dia mais árduo quando jantando estou
Nem o telefone atende ou tocou
Correria para quem de longe veio
E em mim depositou todo seu anseio

E durante quatro dias tentei
Durante fatos difíceis quase chorei
Mas perto estava e não desisti 
E no fim o prematuro poema eu vi

Minha vida grávido de poemas e divas 
É assim um turbilhão de eventos
Agradeço as minhas caras amigas –aos quatro ventos- 
Que me ajudam a escrever e trazer essas palavras vivas.





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