30 maio, 2017

OLHOS DE ÂMBAR EM CORPO DE ÉBANO

Por:
Márcio Ribeiro Leite
Regional BAHIA
Email: dr.biboleite@yahoo.com.br









A primeira vez em que o vi, em frente a uma porta cerrada de loja, tomei um susto. Imóvel, cor de ébano, apenas o par de olhos de âmbar se mexia. Seminu, cabelos desgrenhados, rosto tomado por uma barba cheia e descuidada. Tudo nele era desalinho, incomum, inclusive o fato de esperar permanentemente uma porta se abrir.
Da segunda vez, mais encorajado, busquei por detalhes. Os mesmos farrapos, a postura de soldado inglês se pudéssemos afastar a sujeira que o vestia, o odor. Mas o mesmo par de olhos vivos a perscrutar a noite.
Na terceira vez, não resisti; perguntei seu nome. Ele respondeu, ainda olhando a noite, que nomes não tinham importância. Já não lembrava o seu. Não alimentou minha impertinência.
Na quarta vez ousei. Perguntei o que fazia ali, na mesma posição, sempre à mesma hora. Então ele me fitou, como ainda não percebera. Tinha informação confidencial de que a porta de seu mundo se abriria a qualquer momento. E segundo as coordenadas, ele deveria estar a postos, ou perderia a chance de adentrá-lo. Sabia o momento, mas o dia... bem, o dia não lhe havia sido revelado.

E com a profundidade de seus olhos de âmbar, pediu dois reais para um café.


28 maio, 2017

AS VEIAS ABERTAS DO BRASIL

Por:
Érico Brito Cantanhede
Regional MARANHÃO
Email: ebcantanhede@gmail.com















Gigante adormecido, 
No sono do conformismo.
Paciente moribundo 

No coma mais profundo.
És parasitado nas suas fronteiras.
Vampirizado por países.
Que sugam sem cessar.
As nossas riquezas naturais.
Nações que cresceram, 
Por obras superfaturadas, 
Favorecidos por empreiteiras, 
Financiadas com o suor, 
Vilipendiados por impostos, 
De um povo massacrado, 
Por políticos corruptos, 
Que açoitam seus eleitores.
A corrupção não é só dos políticos 
Pois o maior corrupto é o seu povo 
Que os reelegem passando inclusive 
A ser como capitanias hereditárias.
A corrupção é um câncer da nação.
É uma sepse de difícil controle 
É a hipovolemia sem hemostasia. 
É uma quase morte encefálica.
E esse país não tem como ser mais furtado.
Pois é da sua população,
Que nutre as vertentes da corrupção,
Há pouco à ser exaurido...
A transfusão mais urgente, 
O fármaco de última geração 
O hemostático mais eficaz 
O retorno da oxigenação cerebral, 
É a mudança de valores, 
A mudança dos políticos 
A mudança do judiciário 
E a mudança dentro de cada brasileiro.
É a depuração do seu DNA.
É a reconstrução do seu espírito.
Para que dessa renovação íntima, 
possa se renovar a fé e a esperança.
E o sangue sugado 
Pelas pífias nações 
Pelos miseráveis legisladores 
Mude toda uma genética 
E assim possa germinar
um novo Brasil.





26 maio, 2017

REFLEXO

Por:
Tania Hegler
Regional PARANÁ
Email: taniahegler5@gmail.com















Olhe o reflexo…
É teu, não é?
Por que esse olhar tão perplexo?
Veja o que juntaste!
Procures o que ficou...
Terás uma sensação confusa...
Porque o tempo passou?
Ou o que procuras?
Ou mesmo aonde encontrarás?
Transformar o tempo,
revisar os anos...
Descobrir-se por dentro...
Encarar verdades...
Encorajar mudanças...
Separar ruínas...
Começar de novo…
voltar criança?



24 maio, 2017

FOTO-RETRATOS - A PAIXÃO CONGELADA NUM CLARO INSTANTE

Por:
Ruy Perini
Regional ESPÍRITO SANTO
E-mail: ruyperini@yahoo.com.br








Os loucos precipitam-se aonde os anjos temem colocar os pés. (Alexander Pope)

O eterno em um instante pode ser a etérea forma ou o sólido semblante capturado pelos olhos e aprisionado pelas mãos através dos instrumentos do artista.

*** 
Eu ainda não tinha certeza de quantas provas necessitaria para ter a vera imagem. Precisava captar cada linha, cada gesto e cada poro daquele corpo transportando tudo para a tela que eu mesmo preparara. A sequência era um complexo sistema para transformar um organismo em dados digitalizados e depois concretizados em imagem obtida pela combinação de tintas em um plano de tecido, tudo conseguido pela transposição da vida dos involuntários fornecedores da mais pura matéria orgânica. No início eu não imaginava como o pintor em Hawthorne conseguira aprisionar na segunda dimensão a vida dos seus modelos. Mas Viersilov[1] pôde mostrar-me na fotografia o que eu buscava.

Dissera-me que “as fotografias são muito raramente parecidas, pois o original, isto é, cada um de nós, é tão raramente semelhante a si mesmo... São raros os instantes em que o rosto reflete o traço essencial do homem, seu pensamento mais singular”, enfim, sua emoção mais sincera e pessoal. “O pintor desenha os traços que marcam esse pensamento essencial e recôndito sentimento, mesmo se eles não estão marcados no semblante do modelo no momento em que os pinta. O fotógrafo surpreende o homem tal como ele é, no momento exato em que a expressão da emoção humana” – ou animal – “estampa o sentimento do objeto retratado.”

A luz, com a sua temperatura, brilho, sombra, cores e tonalidades, enquadra e permite – ou não – a real transparência da fisionomia, semblante característico e único de cada ser em cada instante.

Viersilov esclarecera-me ainda: “aqui, neste retrato, o sol apanhou como por acaso Sônia no seu instante essencial, pudica, docemente amorosa, com a sua castidade um pouco selvagem, medrosa. Como era feliz então, uma vez convencida de que eu desejava tanto ter o seu retrato!”

*** 
Eu não sabia até então que um retrato pudesse portar tamanha semelhança com o original. “Não uma semelhança qualquer, mas uma extraordinária semelhança; semelhança espiritual, por assim dizer: dir-se-ia um verdadeiro retrato de mão de um artista e não uma prova mecânica.”[2]

A espera do momento exato da incidência ideal da luz era angustiante, pois não poderia estender-se ainda por muito tempo, sob a pena de perder a modelo. Eu não conseguiria manter ainda por muito tempo a forma e o semblante daquele corpo, embora ele ainda estivesse com vida. Eu não sabia todas as consequências dos efeitos da droga no ser humano, embora a tivesse bem experimentado em outras espécies. Ainda me doía um pouco a lembrança de Eudora, a gata da tia Eugênia que, coitada, precisou ser sacrificada para que eu testasse uma teoria. Eu me afeiçoara ao bichano – e isso foi essencial para que ela confiasse em me seguir e assim poder colaborar com a minha experiência de concretizar uma fantasia.

Eu precisava acertar o posicionamento ideal e, por isso, mais alguns instantes daquele semblante sereno e congelado em estado de graça na minha retina, para acionar o mecanismo de transporte de todas as sequências genéticas que nutririam a composição final na minha tela. Penso que a arte hoje precisa da ciência para atingir o seu objetivo com a máxima precisão e isso não envolve só a técnica do hiper-realismo ou da captação da luz através de meras reações químicas ou de pixels digitalizados no écran e fixados na segunda dimensão. Há desejo e paixão estampados em um foto-retrato que registra definitivamente o âmago do modelo. O ato registrado quimicamente em uma chapa fotográfica ou eletronicamente em um chip pode também captar-lhe a alma, ato aparentemente inócuo, mas que, segundo crença antiga, desproveria o representado desta entidade essencial à vida. Mas o ato de ver unidirecionalmente não provê realmente a virtù visiva arte da essência da vida, embora possam ser imagens que irão permanecer eternamente na retina pessoal do espectador e mesmo do imaginário de toda a humanidade por muitos séculos. Preciso me sentir olhado pela representação imagética do representado para perceber o momento desejado e que só se apresenta naquele exato instante em que tudo paralisa. O olho vê, mas precisa também ser olhado e ver juntamente com todos os olhos do corpo e da alma. Olhos que veem, sentem, escutam, sabem, cheiram e pressentem sextualmente na quarta dimensão do total perceber e representar o corpo e o desejo inerente a ele.

A imagem de acurada percepção voltada para a representação fiel da experiência exige uma doação total da psique, fonte do elã vital e manancial de imagens e símbolos que nutrem a impossibilidade do cavalheiresco amor.

A imagem de pura beleza e viva sensação no retrato da amada é a única possibilidade de eternizar e curar o platonismo desse amor. Não se trata de um pacto como o de Dorian Gray, mas do transporte total da vida congelada nas duas dimensões contidas na moldura.

É lamentável para a arte e para a ciência que tão elaborado método de criação não poderá jamais ser repassado para as gerações vindouras. Mas eu estava satisfeito. A vida assim aprisionada estaria imune às cruezas do tempo e, portanto, do envelhecimento. Sim, eu estava pronto. Faltava apenas consumar-se o processo iniciado e arrumar um jeito de repeti-lo comigo mesmo. Era só descobrir como disparar o processo sendo eu mesmo o seu objeto. Não é tão simples como programar um dispositivo associado a um relógio, pois depende de saber o exato momento de captação dos fenômenos físicos ideais, o que ficava difícil estando eu nos papéis de agente e de objeto ao mesmo tempo.

*** 
E agora parece tudo acabado. A estupidez e a insensibilidade dos homens e suas leis interromperam-nos no exato instante da transubstanciação, fazendo que eu perdesse tudo o que conseguira e fazendo perder-se a vida de Verônica sem que eu saiba agora por onde erra a sua psique, já que não era para ela a morte, mas a perda do caminho para a eternização na própria imagem.
  
Paciência, amada minha. Não ficarei detido por muito tempo, e garanto que descobrirei como retomar o processo e descobrir um jeito de recapturá-la e transportarmo-nos os dois ao mesmo tempo para as delícias de uma vida congelada na vera imagem do eterno instante de graça e beleza sem qualquer interferência do tempo, da insensibilidade e da imbecilidade humanas.
  


[1] Personagem do romance “O adolescente” de F. Dostoievski.
[2] Fala de Dolgorúki, protagonista do mesmo romance.


22 maio, 2017

TERIA SIDO O BOTO?

Por:
Carlos Augusto Ferreira Galvão
Regional SÃO PAULO
Email: carlosafgalvao@hotmail.com









A madrugada amazônica iniciava-se enquanto curtia minhas últimas horas de Santarém, andando pelo calçadão da Avenida Tapajós, na beira daquele rio que tinha visual de beira de mar. Pensava neste último mês de grande agitação pela proximidade do tempo em que conheceria a cidade onde tinha nascido, e da qual tinha saído aos dois anos de idade.

Desde que recebi um telefonema de Toscano, um velho amigo de infância, convidando-me para a festa do Çairê (é assim mesmo que se escreve), onde também me encontraria com o Coutinho (outro amigo de infância que não via havia mais de três décadas), não cabia outro tema em minha cabeça.

Santarém surpreendeu-me; esperava encontrar uma cidade pobre, cheia de mendigos... e o que encontrei foi uma cidade de 300.000 habitantes, horizontalizada, sem edifícios altos, limpa, com um comércio pujante e, o mais surpreendente, absolutamente sem mendigos, sem crianças de rua, sem vendedores de bugigangas nos faróis, enfim uma cidade totalmente fora dos padrões das cidades brasileiras.

A festa do Çairê tem origem na religião indígena, mas dois séculos antes os jesuítas a haviam mitigado com características cristãs, e atualmente se transformou num maravilhoso festival da cultura paraense. Dois grupos folclóricos (o “Boto Tucuxi” e o “Boto Cor de Rosa”) se apresentam numa arena, como duas escolas de samba que trocaram o samba pelo carimbó, esta linda e sensual dança amazônica. Via-se carros alegóricos, via-se sincretismo religioso (até a Virgem Maria aparecia entre feiticeiros indígenas, etc..), via-se saias que esvoaçavam ao som dos tambores e na cadência dos requebros das caboclas, via-se a alegoria do boto, após virar homem, seduzindo as meninas...

Nestes cinco dias de festa, Santarém foi uma excitação só. A cidade encontrava-se cheia de turistas de Belém, do Brasil e até do exterior. Almoçando num restaurante, vi velhos amigos de meus tempos de Belém, até a Maria de Fátima Palha que daria um show após a apresentação dos Botos; ela é conhecida como Fafá de Belém, e no restaurante exercitava sua cristalina gargalhada que tanto cativa os Paulistas.

A festa era num vilarejo distante 40 km da sede do município, numa praia de nome Alter do chão. Belíssima; difícil imaginá-la sendo uma praia de rio, com areias branquinhas como neve, e a outra margem do Tapajós se escondendo depois do horizonte. Ao vê-la pela primeira vez, por um momento fiquei paralisado, como intoxicado com aquele exagero do belo.

Meu último ato na cidade, foi uma missão cultural outorgada pela Sobrames-SP, a fim de procurar interlocutores mocorongos (palavra que define os naturais de Santarém) para interagirmos culturalmente com esta importante cidade paraense: Reuni-me em um jantar com alguns intelectuais no Bar Mascote, o mais tradicional do lugar.

Agora, já no fim desta viagem de sonhos, encontrava-me recebendo as últimas carícias de calor da cidade, e ele apareceu saindo da escuridão e se aproximando de mim. A velha neurose paulistana se manifestou, e imaginei que seria assaltado. Enquanto suava frio, o rapaz de aproximadamente 20 anos, parou em minha frente e desanuviou minha apreensão abrindo um sorriso do tamanho do Pará.

Não havia pureza naquele sorriso; era assim meio maroto, uma coisa meio moleca, meio sem-vergonha. Falou, sem tom de súplica e sem perder aquele sorriso que iluminava a penumbra da madrugada: -“Estou com fome”. Automaticamente estendi para si uma nota de cinco reais, e antes que me desse conta recebi daquele rapaz um beijo em minha face direita, que me deixou absolutamente perplexo. Não era um beijo sensual e senti que era algo muito maior que um ser humano, aquilo que me beijou. Senti-me beijado pela cidade, a minha cidade, meu torrão natal. A cidade beijava um velho mocorongo, apartado de si por 56 anos. Depois, o rapaz afastou-se desaparecendo pela madrugada.

Fui para o hotel muito emocionado, e com uma certeza: aquele rapaz era um boto que procurava caboclas para seduzir nas barrancas do Tapajós, e resolveu fazer um amigo.

Jamais esquecerei Santarém e o beijo que recebi. Troquei uma curiosidade em meus documentos, por um deslumbramento e uma imensa saudade.


20 maio, 2017

ULTIMATUM



Álvaro de Campos (Tavira ou Lisboa, 13 ou 15 de Outubro de 1890 — 1935) é um dos heterônimos mais conhecidos, verdadeiro alter ego do escritor português Fernando Pessoa, que fez uma biografia para cada uma das suas personalidades literárias, a que chamou heterônimos. Como alter ego de Pessoa, Álvaro de Campos sucedeu a Alexander Search, um heterônimo que surgiu ainda na África do Sul, onde Pessoa passou a infância e adolescência. Depois de "uma educação vulgar de liceu" Álvaro de Campos foi "estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval" em Glasgow, realizou uma viagem ao Oriente, registrada no seu poema "Opiário", e trabalhou em LondresBarrow on Furness e Newcastle Upon Tyne (1922). Desempregado, teria voltado para Lisboa em 1926, mergulhando então num pessimismo decadentista. O poema "Tabacaria", de 1928, foi uma das criações de Álvaro de Campos. O poema "Ultimatum", aqui narrado por Maria Bethania é uma alegoria muito significativa diante das turbulências de nossos dias. 






PALAVRAS

Por:
Márcio Fabiano Chaves Bastos
Regional PARANÁ
Email: marciofabianobastos@yahoo.com.br









Palavras, apenas palavras
Como expressar o que sinto
Sem frases, sem agonia
Sem destino
Palavras, tristes palavras
Vazio imenso que só atormenta
Instinto de vida no silêncio presente
Busca perdida de um momento
Inexplicável…
Marcas de vida num pensamento
distante, frio, angustiante
Na ânsia de respostas
Procuro uma chama de vida
Palavras soltas e livres
Libertárias
Palavras,
perdidas palavras
No túnel fechado do tempo
Letras e sílabas descansam
Fogem da alma, da lama e da cor
Palavras ocas
Sem amor!




18 maio, 2017

MÉDICO DE PLANTÃO

Por:
Ernesto Lentz Carvalho Monteiro
Regional MINAS GERAIS
Email: ernestolentzmonterio@gmail.com















Cheguei correndo ao Hospital, subindo os oito andares, como sempre pelas escadas, atendendo ao chamado de urgência. Um montão de gente do lado de fora do bloco cirúrgico mostrava que o paciente era gente importante. Passei desapercebido, paramentei-me e entrei na sala de cirurgia, encontrando aquele corre-corre que sempre acontece nos casos dramáticos.

O Joaquim, nosso talentoso anestesista olhava apreensivo o monitor cardiográfico, enquanto o Alaor, clínico de primeira, contava as gotinhas de urina que drenavam pela sonda. Ambos desanimados deram-me os pormenores: 70 anos, obeso, hipertenso, diabético, amante de uma pinguinha, desfalecera durante uma festa familiar em que tocava o violão, seu inseparável companheiro. Levado às pressas para o hospital constatou-se logo à chegada uma parada da circulação da cintura para baixo.

E ali estava o meu desafio, às duas da madruga depois de um dia que terminara à meia noite. Roxo e gelado da cintura para baixo não tinha qualquer sinal circulatório, demonstrando uma catástrofe vascular tipo um aneurisma dissecante da aorta ou uma trombose maciça, com a iminência de choque, falência renal e outras tragédias que acompanham esses casos. O que fazer àquela hora? Cateterismo, impossível em hospital carente da infra estrutura necessária. Abrir o abdome, risco proibitivo, sem saber o que encontrar e sem poder planejar. Deus me ajudou.

Quase intuitivamente explorei a artéria femoral direita e, após a passagem do milagroso cateter de Fogarty, retirei, para surpresa de todos, enorme trombo ainda fresco da artéria ilíaca direita, o que permitiu que o sangue jorrasse abundantemente, provocando um uníssono “oba!” de todos os circunstantes que torciam por uma solução milagrosa e acabavam de ver a possibilidade de re-vascularização que ressuscitaria aquele membro morto. Com o mesmo cateter retirei dali para baixo enorme quantidade de trombos menores, desobstruindo todo o caminho do sangue para aquele lado. Avidamente repeti o mesmo processo do lado esquerdo.

Surpresa decepcionante: para cima tudo ocluido! O Fogarty não passava. Não titubeei. Nova luz veio lá de Cima! Puxei uma prótese do lado direito para o esquerdo. É uma operação, apenas para informar aos leigos, que se denomina “by-pass fêmoro- femoral”. Nela, por meio de um tubo especial, a “prótese de dacron”, fazemos um desvio da circulação de um lado para outro. Alegria efusiva de todos! A circulação voltou! Em poucas horas o paciente urinava, comia e conversava, com seus membros inferiores rosados e salvos, rodeado por uma legião de parentes e amigos. São os melhores momentos de nossa profissão!

Dois meses depois eu comprava alguma coisa em uma loja do Shopping, quando reconheci a irmã do paciente ao meu lado, sem se dar conta da minha presença, pois obviamente continuei incógnito. Era a mais insistente no hospital naqueles dias críticos, sempre “chic”e chata, embora não fosse feia. Imediatamente surgiu uma outra senhora, também muito “chic" e deu aquele escândalo: “Fulana, estava doida para te encontrar! Soube que o seu irmão esteve à morte! Que aconteceu?”. “Nem te conto”, respondeu ela, e contou com requintes dramáticos tudo que acontecera. “Não diga! Como não soube disso? Teria ido visitá-lo!. Qual foi o médico que o operou?”. Ainda feliz e orgulhoso com o brilhante resultado que obtivera, o que eu vinha contando para Deus e todo mundo, aguardei curioso a resposta. A “fulana” displicentemente respondeu: “Não sei o nome não. Foi um médico de plantão que estava lá na hora...”.



16 maio, 2017

A MULHER QUE QUERIA TOCAR NAS NUVENS

Por:
Lilian Maial
Regional RIO DE JANEIRO
Email: lilian.maial@gmail.com











Todos os dias olhava para o céu e via nuvens.
Queria estender a mão e tocá-las,
acariaciá-las até se embaralharem de cócegas.
Mas retirava a mão,
não era para ela poder tocar em nuvens.

Vez em quando chovia.
Imaginava uma nuvem caindo ao solo,
mas não era para ela isso também
e apenas sonhava.

Levava a vida entre nuvens e chuvas,
entre céu e mãos,
cócegas e possibilidades.

O tempo passava,
parecia a única a não tocar em nuvens,
então, apenas estendia a mão.

E vinha a chuva, raios, relâmpagos
e nada de nuvens.

O tempo corria no chão,
feito rio no canto do olho.

Até que um dia veio diferente,
nublado e envolto em pássaros.
Sentia-se atrevida e corajosa,
névoa rara,
um quase poder.

Duvidou, achou que era sonho,
a nuvem ali, no chão,
esperando para ser tocada.

Correu com as mãos esticadas,
dessas de alcançar lonjuras.
Medo de tropeçar,
medo de desmanchar,
mas essa vontade incontrolável
de tocar a nuvem.

Não viu o sol,
não viu o arco-íris,
não viu as borboletas.



14 maio, 2017

RUA PADRE GEROSA

Por:
Mário Luna Filho
Regional MARANHÃO
Email: mlunafilho@bol.com.br












Sempre quis
fazer um poema
para a rua Padre Gerosa.
Não um poema épico
ou onírico,
nem uma elegia ou haikai.
Não.
Talvez um poema lírico
ou nem tanto.
Um poema
sem parábolas ou metáforas
que fosse um poema comum
desses que se encontra
em todo rodapé de jornal.
Que fosse ao menos
um poema desses que se encontra
na seção de achados e perdidos.
Sempre quis
fazer um poema
para a rua Padre Gerosa.
Um poema mínimo que fosse,
quase não existindo,
mas que existisse.
Que lembre o menos
de tênue lembrança
de seu espreguiçar toda manhã.
Para poder acordar
uma rua perdida,
no meio de tantas outras.
Poucos conhecem (...)
a rua Padre Gerosa.
No entanto
traça paralelos minha alma,
Desembocando em todos os meus caminhos.
E que em algum lugar
da rua Padre Gerosa,
Deixei guardado
o tempo
de minha infância.






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