12 maio, 2017

A REVOLTA IRLANDESA E ALEMÃ NO RIO DE JANEIRO

Por:
Walter Whitton Harris
Regional SÃO PAULO
Email: wwharris@gmail.com








(um episódio esquecido da História do Brasil)

As Províncias Unidas do Rio da Prata se tornaram independentes da Espanha em 1809, tendo como capital Buenos Aires (o nome Argentina só foi utilizado após 1826). A Província Cisplatina fazia parte do Império do Brasil, mas a Argentina a reivindicava para si. A Província era estrategicamente muito importante para o Brasil, pois se localizava no delta dos rios Paraná e Paraguai, dois rios importantes para o escoamento do ouro das Minas Gerais e da prata do Peru.

Em 1825, as Províncias Unidas do Rio da Prata invadiram a Cisplatina, instigando os moradores, principalmente do interior, contra o Brasil. O Imperador D. Pedro I considerou a situação intolerável e lhes declarou guerra.

À medida que a guerra avançava, foi necessário contratar estrangeiros para reforçar o contingente armado. Os jornais, políticos e homens de negócios que se opunham à guerra, haviam envenenado a população contra estes soldados para lutar uma guerra que parecia não ter fim. Havia batalhas nas ruas do Rio de Janeiro entre os estrangeiros (principalmente alemães) e os brasileiros e escravos africanos, levando muitas vezes a graves consequências.

D. Pedro encontrava-se em situação bastante delicada, pois tinha de resolver logo esta guerra com o país vizinho. Precisava de mais soldados, a fim de fortalecer as tropas combatentes. Com esta finalidade, enviou um mercenário irlandês de nome Coronel Cotter para recrutar seus compatriotas com a promessa de fazendas de 20 hectares para cada família, livres de qualquer custo ou vínculo.

Mais de 2500 fazendeiros pobres e iliteratos e suas famílias se aventuraram. Muitos venderam o pouco que tinham para comprar implementos agrícolas para a vida nova no Brasil. Aparentemente, não sabiam que tinham sido recrutados para lutar como mercenários.

Dez navios deixaram Cork, na Irlanda e chegaram ao Rio de Janeiro entre dezembro de 1827 e janeiro de 1828. Quando chegaram, viram as promessas virarem pó, pois os irlandeses descobriram, ao aportarem, que Cotter havia lhes faltado com a verdade. A maioria recusou fazer parte da milícia, pois foram trazidos da Irlanda como colonos. Resistiram bravamente em não usar o uniforme do exército imperial e somente após a intervenção do embaixador inglês, houve uma trégua na exigência de fazerem parte da tropa de mercenários. 

Os irlandeses foram abandonados, sem proteção ou apoio das autoridades. Tiveram de formar grupos para se defenderem, lutando com paus e pedras contra os agressores, que consistiam fundamentalmente dos escravos africanos, que formavam uma boa parte da população do Rio de Janeiro e que tinham profunda antipatia pelos imigrantes irlandeses e alemães que eles chamavam de escravos brancos.

Havia grande descontentamento entre os irlandeses e os mercenários alemães devido ao mau tratamento dado pelos comandantes, falta de pagamento de salários e boatos de que era iminente a ida deles para o sul para lutar. Um dos alemães foi condenado a cinquenta chibatadas por uma pequena infração, que foi quintuplicada para 250, sem nenhuma justificativa. Depois de 210 chibatadas, os alemães libertaram seu camarada e atacaram o oficial. Este foi o estopim para a revolta, que começou em 9 de junho de 1828. Notícias da revolta alemã rapidamente chegaram aos irlandeses e cerca de 200 deles se juntaram aos insurgentes.

Dirigiram-se ao centro da cidade, as fileiras aumentando com a participação dos colonos irlandeses frustrados pelas promessas não cumpridas, acompanhados de suas mulheres e crianças. Logo começou intensa violência. Saquearam e queimaram centenas de casas e lojas e, por onde passavam, gritavam: “Morte aos portugueses!” e “Morte aos brasileiros!”. Ameaçavam inclusive enforcar D. Pedro.

No segundo dia chegou-se à conclusão de que as tropas brasileiras no Rio de Janeiro eram insuficientes para acabar com a revolta. Foram fornecidas armas aos cidadãos e, pela primeira vez, aos escravos africanos. Lentamente, os irlandeses e alemães foram obrigados a recuar e a se isolar nos quartéis, os melhores locais para poderem se defender.

O imperador solicitou ajuda das Marinhas Inglesa e Francesa atracadas no porto do Rio. Os marinheiros ocuparam locais estratégicos na cidade, liberando o contingente brasileiro para atacar os amotinados.

No terceiro dia, muitos dos rebeldes se renderam e foram conduzidos ao cais do porto, onde foram aprisionados em navios. Houve grupos que se recusaram e, no dia seguinte, foram dizimados numa batalha com pesadas baixas de ambos os lados. O número oficial entre amotinados, civis e tropas do império, foi de 360 mortos e 480 feridos. O centro do Rio de Janeiro estava destruído, com corpos dos mortos e mutilados por toda parte.

D. Pedro I queria se livrar o quanto antes daqueles rebeldes. Os alemães foram mandados para províncias em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Quanto aos irlandeses, cerca de 1500 foram mandados de volta para a seu país de origem, à custa dos cofres brasileiros, e ainda mais pobres do que quando deixaram a Irlanda.

Dado ao alto custo da guerra pelos dois países e o comprometimento do comércio principalmente com a Grã-Bretanha, aquele país forçou os beligerantes a assinarem, cerca de dois meses depois do motim, o Tratado de Montevidéu, onde foi reconhecida a independência da Província Cisplatina, sob o nome de República Oriental do Uruguai.

Mais uma vez, observa-se a inútil perda de vidas, por causa de uma decisão inescrupulosa e precipitada de um governo autocrático e autoritário. A perda da Província Cisplatina deixou o povo brasileiro muito insatisfeito com o Imperador e, embora não fora o principal motivo, contribuiu para forçar a abdicação de D. Pedro I em 1831.


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