Médico escreve, é natural que o médico escreva, faz parte de
sua formação e da sua profissão escrever. Histórias clínicas, hipóteses
diagnósticas, relatórios, pareceres, laudos, atestados, receituários... o que
os pacientes dizem ou respondem, os sons que ele percebe na ausculta clínica, na
palpação, na percussão, tudo é transcrito para o papel ou para a tela de um
computador.
A produção científica na medicina, publicada num sem número
de revistas e periódicos, é a maior entre todas as profissões, disso não tenho dúvidas. Mas não é dessa que trato aqui.
Refiro-me à literatura não científica, produzida pelos médicos em todos os
rincões do mundo e que nos propiciou conhecer nomes como Sir Arthur Conan Doyle, o criador
do célebre detetive Sherlock Holmes, formado pela Universidade de Edimburgo; Anton Tchekhov, que cursou medicina na Universidade de
Moscou e é considerado um dos maiores contistas de todos os tempos. A sinergia dele com a medicina e a literatura se
estabelece, de forma clara, na dualidade:
“Fico satisfeito quando me dou conta de que tenho duas profissões, não uma. A
medicina é a minha esposa legal, a literatura a minha amante. Quando canso de
uma, passo a noite com a outra. Pode não ser uma situação habitual, mas evita a
monotonia; ademais, nenhuma delas sai perdendo com minha infidelidade. Se não
tivesse minha atividade médica, dificilmente poderia consagrar à literatura
minha liberdade de espírito e meus pensamentos perdidos. Outro nome lembrado
é o de A. J.
Cronin, autor do clássico A
Cidadela, de temática tão atual como nunca. No Brasil, destacamos Guimarães Rosa, um dos nossos mais
festejados escritores, autor de obras como Sagarana
e Grande Sertão: Veredas, que se formou
na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais, sendo que
chegou a ser Oficial Médico Militar. E Moacyr
Scliar, gaúcho que cursou
medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul com especialização em
Saúde Pública, um dos mais produtivos autores nacionais, de obras portentosas
como A majestade do Xingu, O imaginário cotidiano e A Paixão Transformada. Neste último livro, Moacyr Scliar
reúne e comenta trechos de textos que, ao longo da história, registraram
opiniões e fatos relativos à doença e à cura. Ao fazê-lo, com a acuidade de
sempre e o humor contido que caracteriza sua prosa, resgata momentos
privilegiados que assinalaram a trajetória da medicina e da luta do ser humano
contra a doença. Diz ele: “A história da medicina é uma história de vozes. As
vozes misteriosas do corpo: o sopro, o sibilo, o borborigmo, a crepitação, o
estridor. As vozes inarticuladas do paciente: o gemido, o grito, o estertor. As
vozes articuladas do paciente: a queixa, o relato da doença, as perguntas
inquietas. A voz articulada do médico: a anamnese, o diagnóstico, o
prognóstico. Vozes que falam da doença, vozes calmas, vozes revoltadas. Vozes
que se querem perpetuar: palavras escritas em argila, em pergaminho, em papel.
Vozerio, corrente ininterrupta de vozes que flui desde tempos imemoriais.”
Não poderíamos deixar de citar Joaquim Manuel de Macedo, autor
de A Moreninha e Memórias de um Sargento de Milícias, um dos mais famosos romances
de costumes da história da literatura brasileira, ainda no século XIX. Não é
sem motivo que o escritor carioca é patrono da Academia Brasileira de Médicos
Escritores – a ABRAMES.
Em Sergipe, essa participação de médicos na
literatura não científica também é expressiva, só para citar Rodrigues Dória, Edilberto
Campos, Ranulpho Prata, Abreu Fialho, Augusto Leite, Renato Mazze Lucas, Antônio
Garcia, José Abud e Aírton Teles, só para citar os mais antigos.
Todo esse introito é pano de fundo para
anunciar, com júbilo, o lançamento em 18 de outubro último – Dia do Médico - no
Museu da Gente Sergipana, da segunda coletânea de prosas, poesias e contos da
Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Regional Sergipe – intitulada HUMANIDADES *,
com a participação de vinte e sete médicos escritores vinculados às academias
literárias e à própria instituição. Mais
de 200 pessoas compareceram à prestigiadíssima noite de autógrafos, com as
presenças das maiores lideranças intelectuais de Sergipe, e de outros estados,
a exemplo dos médicos escritores José Maria Chaves, do Ceará, ex-presidente
nacional da SOBRAMES e Ildo Simões, da Bahia, que esteve acompanhado de mais
dois colegas da Boa Terra.
No
lançamento foi realizado um Sarau líteromusical com homenagem ao médico poeta
Airton Teles Barreto, in memoriam e ao médico compositor César Faro, com
participação de diversos artistas da terra. Foi uma noite radiante, que mostra
toda a pujança da SOBRAMES Sergipe, hoje reconhecida e citada naturalmente nas
rodas literárias, com forte presença na agenda cultural
de Sergipe.
Médicos
não só clinicam, operam, investigam, médicos escrevem, médicos fazem uma boa
literatura. É o universo ampliado dessa dupla militância. Somente na Academia
Sergipana de Letras, sem citar as demais academias, oito médicos atualmente
integram o seu quadro, incluídos na lista esse escriba, mais o Dr. Sousa, que
será empossado no próximo dia 30 de novembro. Além deles, o decano de todos, Francisco
Rollemberg, José Abud, Eduardo Garcia, Marcelo Ribeiro, Marcos Almeida e Paulo
Amado, recentemente empossado. Trata-se de uma consistente presença, que
ilustra e dignifica a Casa de Tobias Barreto.
O famoso pintor espanhol Pablo Picasso dizia
que há dois tipos de artista: os que transformam o sol numa simples mancha
amarela e aqueles que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol. Por
trazerem a sensibilidade para a literatura, muitas vezes como fruto da prática diária da profissão, seus medos e
anseios, o contato com a linha tênue que separa a vida da morte, o sofrimento e
a dor, eles podem muito bem se enquadrar nessa segunda condição.
*Clique aqui e veja>>>>> FOTOS DO LANÇAMENTO
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